Hoje está sol, os pássaros cantam sem se deixarem observar, os ninhos cheios de ovos estão dissimulados nas árvores cujas folhas não têm fim. Na aldeia de Rio de Moinhos no largo da igreja, os automóveis artravessam apressados o espaço, os condutores não evitam deitarem olhares à bliblioteca ambulante. Esta continua até agora a surpreender os aldeões mais distraídos, transeuntes espantados pelo prolongamento da oferta de histórias. Por desconhecimento da presença desta (...)
A estrada surpreendeu-me ao aproximar-me a levar a biblioteca ambulante à aldeia do Tubaral. O pavimento foi revestido ao longo da inclinada subida, indo para dentro da rua principal, adornando o largo da aldeia. O sítio onde a biblioteca ambulante permanece está reabilitado, apetece estar, encontrar-me com leitores junto da fonte. Branqueada para não desfazer a colocação do tapete novo no largo, chamar os aldeões a beberem das palavras do lugar onde brotam histórias (...)
As lágrimas da charneca não param de correr, não sei se é alegria pelo regresso da biblioteca ambulante a percorrer a sua alma, a experimentar o mundo rural, ouvindo as suas pessoas, as histórias das aldeias. Pela tristeza dos dias vindouros, com demasiados velhos onde a prioridade do resto das suas vidas não é a leitura. Não há jovens leitores, ou seja, os que lêem na biblioteca ambulante não se distinguem. O sol nas últimas semanas também não consegue tornar-se notável, (...)
Os ribeiros andam arrebatados pela água abundante que caí do céu, irreflectidamente, saltam margens, brincam ingenuamente sem avaliar as consequências. O mesmo não acontece com os leitores, a violenta depressão meteorológica retém-os nas suas casas, não se atrevem, vir ao encontro das histórias. Estas permanecem no mesmo lugar, nas estantes, olham para mim inofensivas, também eu estou anulado. Inquieto, a vigiar, o que pode sair do interior das páginas sem movimentos, alguma (...)
A força súbita e intensa do vento abana a biblioteca ambulante, as histórias balançam, as mais volumosas desequilibram-se, caiem no chão, o barulho do impacto é audível no largo da aldeia da Concavada. Os gritos de aflição dos personagens das histórias misturam-se com as conversas das pessoas no café, com as lágrimas dos que estão à entrada da casa mortuária, unida à igreja. A chuva não deixa ninguém indiferente, com os guarda-chuva abertos saem do café os restantes (...)
As nuvens ameaçadoras não impedem os leitores mais novos de virem à biblioteca ambulante lerem em voz alta. De repente, o silêncio calou-se para ouvirmos as palavras, arrancadas aos soluços, sem obstáculos, pairam no ar, bailando, na direcção dos nossos ouvidos adentro. A roda de meninas e meninos apertou com força aquelas palavras, largadas pela voz corajosa, perante tão importante plateia. A biblioteca ambulante torna as coisas mais fáceis, acessibilidade gratuita, viajarem (...)
A chuva não permite a transmissão do testemunho do inverno para a primavera, na corrida de estafetas das quatro divisões do ano. Condicionando o regresso dos leitores, o crescimento dos legumes e hortaliças nas hortas. As raízes apodrecem com excesso de água, os leitores afogam-se na incerteza, na molhadela das histórias, nas palavras a diluírem-se na chuvada. É tudo imaginação do contador de histórias, as mensagens estão protegidas na biblioteca ambulante, os leitores (...)
Na estrada, nas viagens e andanças, vi a cegonha a voar baixinho, segurando no bico pequenos ramos para a construção do seu ninho. Sem asas como a cegonha, a biblioteca ambulante desloca-se, impelida pela vontade dos leitores a fabricar e reunir memórias nas comunidades. Orientada na direcção das aldeias da minha terra. Marcando aqui e ali as pessoas mais afastadas, incluindo-as no universo da leitura, apontando o sentido que devem tomar.
Uma árvore despida, um banco vazio, a biblioteca ambulante sem leitores, uma obra de malha feita com fios de algodão ornamentando o tronco. Partes de uma história, das viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. Pedaços presos nas memórias, da árvore invadida por folhas dando sombra a quem se senta no banco, aguardando o momento de ir escolher uma história. Sem deixar de observar o trabalho feito manualmente com a agulha. Uma corrente concluída pelos (...)
A chuva continua a cair em grande quantidade nas aldeias da minha terra, com fragmentos de terrenos transformados em pequenas lagoas. Os animais não se intimidam com a pluviosidade, com as fuças escondidas na erva, a desbastarem a menos boa, para alcançarem a mais delicada. No Casal da Bica, os cavalos agitam-se, observados pela câmera fotográfica, talvez por saberem que vão ser perpetuados na imagem, personagens numa narração, que deveria ser sobre livros e autores. São (...)