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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

28 Abr, 2018

Caminhada...

 

O calor ausentou-se, aproveitei a situação para me envolver com sons e cheiros da manhã, com uma caminhada ao Rossio Sul do Tejo, na curva do paiol, vejo o rio espreguiçar na largueza do leito, apontando logo depois na direção do Tramagal, sem antes galgar o açude, daqui parece abastado de água. Entro na ponte, iniciando a passagem para a margem sul, o vento bate-me lateralmente, forçando-me a caminhar lentamente, o trânsito está frenético, para lá, para cá. Do interior de alguns carros, braços erguem-se com as suas pontas acenando, correspondo do mesmo modo, conhecendo uns, outros nem por isso. No Rossio sinto o pulsar do local, já foi terra de barqueiros e pescadores. Pilotavam os barcos carregados de cortiça e palha até Lisboa. Alguma indústria ainda se mantém, outra mostra na aparência desagradável dos seus edifícios, que por lá andou dias de glória. Chego ao Cabrito tendo a companhia da estrada de ferro, unindo a beira baixa à capital, atravessando o vale do Tejo. Gosto de vir aqui, as flores das laranjeiras espalham o seu perfume na rua. Recordo com saudade outras laranjeiras que perfumaram as praças da minha cidade, olhando os longos pedaços de terra por amanhar, lembro-me noutra época, quando fui pequeno, os ter percorrido, cheios de árvores de fruto, foram pomares, vinha para aqui com a minha avó, brincava, enquanto os crescidos apanhavam fruta, contentava-me com alguma que caía no chão. Das gasosas que tinham um berlinde de vidro no fundo da garrafa, das moedas que me dava às escondidas para comprar guloseimas, das ruas alagadas quando o rio já não queria aturar as águas vindas da fronteira. Continuando, casas que foram fartas, palacetes abandonados, em ruínas, telhados transformados em prados, serviços públicos desativados, as pessoas são as mesmas, estão mais velhas, rumaram a outras paragens, morreram. Alcanço novamente a ponte, agora noutro sentido, com embate violento no imóvel do hospital, os outeiros povoados, os ciprestes da terra eterna, o convento de São Domingos, as muralhas do castelo. Avanço até ter perto de mim o rio, nas últimas semanas tem tido altos e baixos, os patos descansando nas rochas debicando as suas penas. Mais uns metros, termino a viagem pedonal, é uma das que percorro diariamente nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra.

 

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