Fonte na aldeia de Martinchel
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A viagem prosseguiu até à aldeia do Vale das Mós, apesar da curta distância percorrida, a chuva não afrouxou. No largo Professor Luís Herculano Fernandes, a biblioteca ambulante aguarda pelos seus utilizadores. A precipitação perdeu fôlego, cabeças espreitam das portas, olhando o céu, continua cinzento mas aliviado.
O trajecto nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, com destino à aldeia do Brunheirinho, efectuou-se constantemente com muita chuva, já na aldeia desencadeou-se uma precipitação mais intensa a receber a biblioteca ambulante. Aqui as divindades, libertaram as suas lágrimas muito rapidamente, emocionadas pelo regresso das histórias a este lugar, junto à fonte que mata a sede a quem passa. Agora outra fonte junta-se, para aniquilar a ignorância inocente, simples desta gente, também ela possuidora dum conhecimento assente na oralidade e vivências de gerações antigas.
A tarde livra-se do calor, eu fico aliviado da alergia ao pólen que me aflige durante umas semanas, as condições para os visitantes da biblioteca ambulante estão em causa. A chuva abundante que cai desde manhã, não se cansa, está desprovida de juízo na estação que decorre. Aliás não há coerência nenhuma no clima actual nos últimos meses, está instalada a confusão no vestuário, no calçado, até na socialização. Os livros estão dispostos, ordenados e organizados, quer faça sol ou chuva, calor ou frio, as viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, promovem a proximidade dos aldeões pela leitura, música e cinematografia, os suportes possíveis para todos que queiram aprender, conhecer ou sonhar.
Surgiu do nada, mais magro, trazia chapéu na cabeça, vi que estava sem cabelo. A última vez que tinha estado presente na biblioteca ambulante, foi em novembro do ano anterior. - Aguente aí! - Já venho! - Disse. Pouco depois voltava com um saco, dentro trazia livros e filmes. - Não tenho andado bem, não tenho podido vir devolver isto! - Disse novamente. No final do ano, um linfoma no estômago apanhou-o de surpresa, os tratamentos a que se submete aprisionam-no em casa, tem dias sem capacidade de realizar seja o que for. Só deseja a cama, a comida não lhe cai bem, anda desmoralizado. - Vou-me embora, não levo livro nenhum! - Diz. Sai, volta novamente, conversa mais um pouco, pega nuns filmes, faz o empréstimo, e lá foi. Acredito que volte e continue a regressar, assim como a biblioteca ambulante estará sempre para o receber.
Na aldeia de São Miguel do Rio Torto, o sol continua moribundo, no largo recentemente inaugurado dois homens conversam sentados, apoiando os cotovelos numa mesa. Os anos pesam em ambos, debaixo do toldo no café outros dois, olham o tempo a passar. É a distracção possível nas aldeias durante o ócio, a biblioteca ambulante está presente, mas nunca houve regularidade na educação da maioria destes aldeões, pouca escolaridade ou nenhuma. Os livros são alienígenas ainda para muitos deles, a presença de uma colecção de calhamaços dentro duma carrinha, gera confusão nas suas cabeças. Dinheiro público desperdiçado, em sentido contrário, onde não há ausência de natalidade, existe uma aproximação aos livros, são as próprias crianças que puxam pelos pais, a escola é possuidora de biblioteca, há contacto com eles, a curiosidade da descobrir palavras novas trazem-nos até cá. Os pais seguem-nos, no princípio indecisos, depois olham, tocam nos livros, folheiam, questionam se há o título, cujo filme se realizou sobre a história do livro. Muitos iniciam assim a sua leitura, uns voltam, outros não, a biblioteca ambulante de um modo diário continua a cumprir o objectivo de obter leitores, mas também com a possibilidade (assim queira o poder político) de outras funcionalidades para benefício dos aldeões.