Na aldeia de Mouriscas, ligada à Junta de Freguesia a biblioteca ambulante de portas fechadas, continua a fazer parte das viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. A chuva duradoura não permite que o acesso às histórias esteja escancarado, mas não se opõe que a conquistem, se espalhem no seu espaço, toquem, leiam, vejam, ouçam a informação. Desloquem-se, comuniquem, teclando nas letras, reunam palavras, digam presente ao mundo permanecendo na biblioteca.
Burrrm! Burrrmm! Burrrmmmm! Faz o carro do velho, um papa reforma estacionado na rua ao lado da biblioteca ambulante, na aldeia dos Casais de Revelhos. Burrrrrmmmmm! Finalmente o motor acorda da sua preguiça, hesitante, aos solavancos arrancou, sem o ver ainda ouço o motor engasgando-se pela estrada abaixo. É nesta agitação mecânica que início a narrativa de hoje, nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, o som da chuva a cair sob a biblioteca faz-me companhia, quase me engana. Inesperadamente umas pancadas na carrinha, tiram-me da moleza, um leitor! Traz as histórias, o guarda-chuva resguarda ambos da água que não abranda, permaneceu olhando as estantes, por fim enamorou-se, das prateleiras pularam para as suas mãos livros com histórias que não podemos esquecer, mas que temos de ter presente.
A chuva empurrada pelo vento cai violentamente sob a biblioteca ambulante nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. Na Lampreia nuvens passam apressadamente, permitindo ver o azul por pouco tempo, de seguida uma cortina de água encerra o brilho da tarde. Assim corre o tempo, ainda é possível que surjam leitores, para tal acontecer o intervalo sem precipitação teria de ser mais prolongado. As histórias voltam à estrada, são poucos quilómetros e já está estacionada novamente, agora na aldeia da Casa Branca.
Aqui o insólito está patente na via pública, uma manifestação de arte contemporãnea? O carnaval ainda na rua? Uma rotunda improvisada? Que a curiosidade da mesma faça sair os aldeões de casa, se aproximem, aproveitando o que a biblioteca tem de melhor.
As viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra são interrompidas, a biblioteca ambulante tem de manter-se atraente. Para isso nada melhor que uma lavagem para extrair as impressões adquiridas após sucessivas viagens a levar histórias e a trazer outras. Apesar da limpeza as memórias estendem-se, acabando por se perpetuarem no viajante das viagens e andanças, naqueles que pisaram o chão da biblioteca, que levaram as histórias, noutros que acenaram à sua passagem, até mesmo nos outros que ouvem relatos dos seus percursos. Ainda hoje, ouço histórias da outra, a do José Dinis da Gulbenkien, também rolou nestes itinerários, rompeu limites, aventurando-se por outros territórios pegados a este. Tenho leitores que frequentaram a outra, leitores filhos dos que utilizaram a outra, são gerações de leitores que crescerem, estudaram, são adultos e realizados profissionalmente, tendo como apoio a biblioteca ambulante nas variadas fases do seu crescimento. Nunca esquecendo quem lhes deu histórias de aprender, de sonhar, de peripécias têm na biblioteca ambulante um testemunho do seu desenvolvimento como pessoas, usando-o na educação dos seus filhos e netos.
Logo ao início da rua com o mesmo nome, à direita estão os degraus que me guiam ao patamar. Quase sou impelido a perdir licença para invadir a tranquilidade do Beco, que já foi a Rua do Saco, segundo a Toponímia abrantina de Eduardo Campos, ed. 1989. Modificação já ocorrida em 1677, talvez em consequência de haver muitos assaltos, pois neste lugar de passagem e de saída da vila as tabernas e estalagens que por aqui havia eram alvos de ladroagem. Passando à frente na história até à actualidade, avanço devagar, a surpreender-me com o local, de uma tão grande intímidade, até a roupa estendida, balançando ao sabor do vento se enquadra neste recanto da cidade. Se ainda fosse rua, iria desembocar no conclave das Ruas da Barca e D. Nuno Àlvares Pereira, o silêncio predomina neste espaço, um segredo que muitos desconhecem, mas que em 1757, nela estavam fintados 30 pessoas, 2 ferreiros, 10 mancebos de viagem, 1 esparteiro, 4 mancebos, 3 mareantes, 1 pescador, 1 capitão, 1 sapateiro e 1 carpinteiro. Tanta gente e ofícios diversos, contrastantado com os dias de hoje. Respeitando quem aqui vive imperturbado, penetrem nesta rua estreita sem saída, reflictam na história deste lugar.
Logo pela manhã a paisagem dos terrenos junto ao rio Tejo no Tainho é de despertar o interesse, neles longos sulcos perfeitos e rectilíneos esperam pelas sementes. Motivação que baste para o início das viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, seguindo outra alternativa pela nacional nº2 , rolando até ao Sardoal na biblioteca ambulante, passando ao redor da vila, avisto o Jardim das Cameleiras, onde uma grande parte de mim descansa eternamente sob flores vermelhas, brancas e rosadas, agarradas aos ramos das camélias de idade avançada. Muitas perdem as pétalas, dando origem a tapeçarias extemporâneas. Finalmente as histórias fixam-se na aldeia do Carril, a tranquilidade abunda, os sons vindos de qualquer lugar da povoação, informam que eles estão cá. Acredito!