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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

O verão ganha entusiasmo

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Finalmente o verão ganha entusiasmo, que seja extensivo na estimulação dos leitores da aldeia da Carreira do Mato, para onde as viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra me conduzem. Defronte da Tasca do Ti Zé nada acontece, exceptuando dois aldeões dialogando entre si, dentro de dias esta e outras aldeias terão mais população, com o regresso dos emigrantes e dos outros que estão instalados na capital e arredores. As festas e romarias nos meses de verão nunca mais acabam, é um circuito obrigatório para quem aqui reside na região. Inicia-se uma patuscada numa aldeia, terminando a pândega noutra. Agrupam-se pais e filhos, avós e netos, primos e primas, parentes mais afastados que só se avistam nestes arraiais. Enfeitam-se largos e adros, procissões percorrem as ruelas das aldeias, nas tabernas ( as que ainda existem ), e cafés, derramam-se depósitos de vinho, esgotam-se grades de cerveja, emborcam-se pipos de imperial. Nos lares as toalhas de mesa guardadas em arcas estendem-se nas mesas, a loiça e talheres das visitas nestes dias não têm descanso. Usam-se roupas novas ou as preferidas nestas ocasiões, que passam o ano penduradas nos guarda vestidos saturados de naftalina, para protecção dos insectos mais atrevidos.Toda esta agitação sazonal, gera convívios, exercitam-se amizades interrompidas por distâncias forçadas, fabricam-se novos apegos, surgem namoricos, uma reunião que regozija o distanciamento inevitável que voltará acontecer. Depois instala-se a normalidade, só a biblioteca ambulante com as histórias continua a regressar.

A tarefa não tem sido fácil

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Gradualmente o sol rompe, afastando a espessa camada de nuvens suspensas há alguns dias no território das viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. Na aldeia da Pucariça com o relógio da torre da igreja a soar as onze badaladas, o sol erguido, repleto de poder, espreito quem anda por perto, se será algum leitor. Nestas espreitadelas deparo com o parque Fitness, um conjunto de aparelhos de ginástica destinados a um público sénior, utilizados na exercitação dos membros superiores e inferiores. Se bem me lembro todas as aldeias das viagens e andanças têm estes equipamentos. Até aqui tudo bem, olhando para estes, perto da biblioteca ambulante sem ninguém a usufruir dos mesmos, penso que todos os outros ao longo do itinerário das viagens e andanças  nunca ou raramente são utitizados pelos locais. Após anos de fio a pavio, a trabalhar a terra com ferramentas manuais, os velhos de hoje, esgotados terão vontade de voltar a adquirir vigor ou agilidade? Não tenho a impressão dessa pujança, vendo-os todos os dias empenados, agarrados a paus, vergados pelo peso dos anos de labuta, depositados em lares. E os velhos de amanhã, continuarão nestas aldeias, que os viram nascer, crescer, correndo, disputando brincadeiras entre eles? Não sei, aldeias sem gente, os jovens somem-se logo depois de concluído o secundário, para não mais voltarem, é assim em todas elas, ficam os velhos e os outros onde a escolaridade não foi mais além. A boa vontade na instalação destes equipamentos não basta, as histórias continuam a lutar todos os dias por mais  leitores, a tarefa não tem sido fácil, mas pouco a pouco, aqui, ali, além, surgem leitores determinados a continuar a sonhar. Será que chega?

Por fim demoram-se

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A névoa abraçou  a manhã, a chuva afoga-a sem parar, foi nestes dois estados, com o asfalto a atraiçoar o progresso da biblioteca ambulante na direcção da aldeia do Tubaral, que cheguei nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. No Casal Cortido a manada refastelada no montado aproveita a água desabando. O largo não tem vivalma, não tem a carrinha da padeira, só um cão a ladrar desalmadamente ao viajante das viagens e andanças. Um forasteiro por estes lados, apesar de voltar e tornar a voltar, continuarei a ser para esta gente, sempre alguém de fora. As histórias são cúmplices nos laços criados entre mim e eles. As poucas, muitas, visitas á biblioteca ambulante em busca de histórias novas, aproximou-nos, há sempre qualquer coisa  a dizer informalmente, uma saudação , um sorriso, um desabafo. Por fim demoram-se, voltam sem necessidade de trazer ou levar, querem estar, querem  companhia, saber mexericos da cidade.

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