Novidade para a pequenada
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Ontem ao entardecer previa que o dia de hoje eclodia nebuloso, desanimado talvez, para outra manhã de viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, avesso a esta condição estão as histórias e o viajante das viagens e andanças. Na biblioteca ambulante ultimam-se detalhes antes de rumar à aldeia da Foz, uma viagem ao fim do mundo, não, um modo de escrever a longa distância do sítio para onde me dirijo, um pouco mais à frente o concelho da Chamusca. Tudo corria na perfeição, quando logo depois do Vale de Cortiças, sou apanhado de surpresa pelo corte de míticas árvores, pelo menos para mim, que as observava desde que me lembro ser gente. Enormes eucaliptos não conseguiram resistir às afiadas lâminas, decepados pela base, desapareceram, nunca mais os vou ver a ladear a estrada, protegiam do sol o tráfego, davam brilhantismo ao trajecto. Não se faz nada, deixa-se andar, ou então existe demasiado rigor, exagero nas accões, neste caso, a limpeza dos matos, estou plenamente de acordo, mas acertar a floresta não é exterminá-la, a natureza brinda-nos com o seu cunho, essas árvores foram isso para todos nós, para quem habita aqui, quem circula todos os dias neste lance. Cheguei com o sol a romper a cortina de nuvens, as histórias mostram-se optimistas, dois três leitores, que nunca deixaram de estar presentes, de eleger as narrativas preferidas, de ser felizes!
As nuvens rasteiras ameaçam a manhã, o meu corpo indiferente, colaborando para este comportamento a ausência do sol madrugador, demorou a erguer-se, mas a tempo de iniciar uma semana de viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. Hoje será a Atalaia na freguesia do Souto a sortuda com a presença da biblioteca ambulante e das suas histórias. Com a deslocação em progressão, a chuva acanhada faz a sua aparição, mais à frente os pingos engrossam e a estrada fica molhada, foi assim até ao largo da aldeia. Uma agitação anormal altera a calmaria habitual, homens munidos de roçadoras e sopradores cortam as ervas invasivas do espaço público, o barulho ensurdecedor ofusca todos os outros ruídos. Até os poucos automóveis que transitam nos dois sentidos ficam invisíveis perante tal fragor, só a carrinha do padeiro com a toada penetrante da buzina consegue sobrepor-se, tirando mesmo as mulheres de casa para se abastecerem de pão. Neste lugar a leitura está muito preguiçosa, um ou outro de vez em quando surge, fazendo com que a expressão do meu rosto se modifique de tanta admiração, depois um longo tempo de carência das histórias para com quem as lê por aqui. As viagens e andanças continuam sempre a parar na aldeia, são teimosas e não desistem deles.
Antiga rua da Amoreira, modificada para Beco com o mesmo topónimo, na sua aparência inicial desembocava na travessa do Tem-te-bem, (referida no Tombo da Misericórdia de 1594) assim como faz a rua dos Condes de Abrantes um pouco mais acima. Eduardo Campos na Toponímia Abrantina, ed. 1989, com documentos do AHCA, escreve: em 29 de Novembro de 1834 a CMA pôs à venda a metade da Rua da amoreira ao forno para sima, que foi adquirida por Ana Angélica de Sousa, Florêncio, José Dias e Ana da Pacificação. Foi assim que depois se passou de rua a beco, foi só em 11 de Maio de 1927 que passou a ter a actual denominação. A origem do topónimo não se sabe, mas nesta região o Marquês de Pombal mandou plantar grande quantidade destas árvores, se a rua as teve aquando o seu surgimento não há resposta. Em plena manhã, na cidade, o beco também ele silencioso, escondido por quem caminhe pelo Largo Raimundo Soares Mendes, mais conhecido pelo largo da Câmara. É por aqui, entrando na antiga rua da cadeia, actualmente Manuel António Mourato, virando logo depois á direita que o encontramos, sombrio, ladeado por casas altas, numa delas atravessa-se de um lado ao outro da rua através de uma passagem superior. Os quintais situados no alto permitem a quem aqui habita ter pequenas hortas, árvores de fruto, tudo isto no centro urbano, muito ainda por dar a conhecer. Um beco intimista, foi isso que senti, durante o dia, o sol por aqui pouco deve penetrar, também as pessoas, o seu comprimento deve ter pouco mais de cem metros, termina num portão guardado por uma grande árvore é uma visita curta, mas tão cheia de tranquilidade que aptece assentar por aqui. Venham experimentar este local da cidade de Abrantes, sairão mais completos após deixarem as vossas peugadas nesta ruela.
Serpenteando a estrada, a biblioteca ambulante e o viajante das viagens e andanças a dirigi-la, não se cansa de engolir quilómetros de asfalto, na direcção da aldeia do Crucifixo e vila do Tramagal, nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. No meu lado direito, mais em baixo, saltando a linha do caminho de ferro, o rio corre em liberdade depois de lhe ser concedida a passagem no açude que o trava quando o homem assim o entende. A aldeia alonga-se desde o seu princípio, pelo planalto adiante, na fronteira com o concelho de Constância. Uma ligeira aragem é apreciada por quem aqui criou raízes, ainda assim não engana a temperatura desta tarde. Até agora só as folhas mortas a rolarem pela estrada sopradas pelo vento se acercam das histórias, um carro ou outro aceleram pela estrada fora fugindo da pasmaceira, as badaladas do sino da igreja notificam os crucifixenses das horas. No Tramagal as vozes estrindentes anunciam a chegada da pequenada do Jardim de Infância, a fileira aproxima-se inquieta, acabam de assistir a uma representação de magia, finalizada musicalmente. Encheram o espaço da biblioteca ambulante, as vozitas claramente alteradas, choros e sorrisos, as histórias alarmadas com a situação pularam para as mãozitas, muitas só com esforço e destreza conseguem folhear, passando as páginas bruscamente e desordenadamente. Mesmo assim o desassossego continuou, por muitas tentativas da professora de pô-los na ordem, as histórias desta vez não tiveram efeito apaguizador na criançadada. No largo dos plátanos fui envolvido pela frescura, o esforço das árvores abanando as suas copas é despercebido por quem se protege nas suas sombras, por quem caminha no largo. Não se apercebem que as plantas lenhosas são suas amigas, não as abraçam, não as sentem vivas, vitais no meio em que habitamos. As árvores são histórias!