Eles não me querem ouvir
Com o rio e a ponte superados, rumamos, eu e a biblioteca ambulante, noutras viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, onde as aldeias da Concavada e Pego com as suas gentes nos aguardam, na expectativa de encontrarem histórias novas, que os possam ajudar a preencher o tempo desocupado. Alguns leitores mais exigentes, procuram histórias que existem há pouco tempo, outros são mais condescendentes, vão lendo histórias passadas, questionando por títulos e autores já desaparecidos dos circuitos comerciais. Histórias que querem voltar a ler, como se os devolvessem outra vez à adolescência, privando com letras esquecidas, frases nostálgicas, histórias de uma maneira ou outra os afogaram num turbilhão de sentimentos. Poderem voltar a sonhar e a serem felizes, estão acordados num tempo difícil, com as despesas diárias, a comida, as prestações de suas casas, os filhos na escola no ensino superior, reformas miseráveis, muitos no desemprego, muita parra para tão pouca uva, como se costuma dizer. O isolamento a que estão destinados, nada nem ninguém quer saber deles (a não ser dias ou momentos antes do processo de escolha), um conjunto de pesadelos que não acabam, só as histórias continuam a regressar. Sentem-se traídos não foi assim que planearam as suas vidas. São as histórias que os acalmam, que os provocam a voltar a dialogar, a soltar as palavras amarradas nas gargantas, de se renovarem. A tarde abafadiça na aldeia da Concavada, hesita em se desfiar em água, poucos se mostram, exceptuando os desabituados de trabalhar. Não consigo impedir um bocejo, os olhos ficam lacrimejantes, com o abrir inesperado da boca, a sonolência invade-me, um movimento do meu corpo sentado no banco, alerta-me que tenho de recuperar deste quebrantamento de forças. Levanto-me, percorro o pequeno espaço da biblioteca ambulante, as histórias olham-me desanimadas, bem as compreendo. Ninguém se aproxima, entra, as escolha, levando-as intimamente nas mãos, em malas, nos sacos para os seus lares. Encolho os ombros, querendo afirmar, não consigo obter mais, eles não me querem ouvir. Vamos esperar até ao fim. Na esplanada do café do Largo, mulheres novas gastam-se a fumar cigarros, de uma maneira particular, imitam as que o fazem nas novelas, nos filmes. De pernas cruzadas, ali estão elas, conversando banalidades. No lugar do Casal Cortido o gado espalha-se pelo montando adiante, pastando, movendo as queixadas com sofreguidão, no céu, crateras de um azul profundo assustam as nuvens de escoar água. Na aldeia do Pego, o aparecimento de leitores, foi como se voltassem a nascer outra vez, foi o que senti depois de tão longa ausência destes desde o início da tarde. A normalidade estabiliza a ansiedade das histórias, pelo prazer de estarem a ser lidas e pesquisadas por olhares sapientes e curiosos. Bem hajam todos vocês que amam ler!