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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

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Com o rio e a ponte superados, rumamos, eu e a biblioteca ambulante, noutras viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, onde as aldeias da Concavada e Pego com as suas gentes nos aguardam, na expectativa de encontrarem histórias novas, que os possam ajudar a preencher o tempo desocupado. Alguns leitores mais exigentes, procuram histórias que existem há pouco tempo, outros são mais condescendentes, vão lendo histórias passadas, questionando por títulos e autores já desaparecidos dos circuitos comerciais. Histórias que querem voltar a ler, como se os devolvessem outra vez à adolescência, privando com letras esquecidas, frases nostálgicas, histórias de uma maneira ou outra os afogaram num turbilhão de sentimentos. Poderem voltar a sonhar e a serem felizes, estão acordados num tempo  difícil, com as despesas diárias, a comida, as prestações de suas casas, os filhos na escola no ensino superior, reformas miseráveis, muitos no desemprego, muita parra para tão pouca uva, como se costuma dizer. O isolamento a que estão destinados, nada nem ninguém quer saber deles (a não ser dias ou momentos antes do processo de escolha), um conjunto de pesadelos que não acabam, só as histórias continuam a regressar. Sentem-se traídos não foi assim que planearam as suas vidas. São as histórias que os acalmam, que os provocam a voltar a dialogar, a soltar as palavras amarradas nas gargantas, de se renovarem. A tarde abafadiça na aldeia da Concavada, hesita em se desfiar em água, poucos se mostram, exceptuando os desabituados de trabalhar. Não consigo impedir um bocejo, os olhos ficam lacrimejantes, com o abrir inesperado da boca, a sonolência invade-me, um movimento do meu corpo sentado no banco, alerta-me que tenho de recuperar deste quebrantamento de forças. Levanto-me, percorro o pequeno espaço da biblioteca ambulante, as histórias olham-me desanimadas, bem as compreendo. Ninguém se aproxima, entra, as escolha, levando-as intimamente nas mãos, em malas, nos sacos para os seus lares. Encolho os ombros, querendo afirmar, não consigo obter mais, eles não me querem ouvir. Vamos esperar até ao fim. Na esplanada do café do Largo, mulheres novas gastam-se a fumar cigarros, de uma maneira particular, imitam as que o fazem nas novelas, nos filmes. De pernas cruzadas, ali estão elas, conversando banalidades. No lugar do Casal Cortido o gado espalha-se pelo montando adiante, pastando, movendo as queixadas com sofreguidão, no céu, crateras de um azul profundo assustam as nuvens de escoar água. Na aldeia do Pego, o aparecimento de leitores, foi como se voltassem a nascer outra vez, foi o que senti depois de tão longa ausência destes desde o início da tarde. A normalidade estabiliza a ansiedade das histórias, pelo prazer de estarem a ser lidas e pesquisadas por olhares sapientes e curiosos. Bem hajam todos vocês que amam ler!

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Pela manhã a chuva surpreendeu com a sua visita, a previsão meteorológica previa esta circunstância, mas não deixa de ser novidade no mês em que estamos mesmo a pisar o verão. Soube bem, voltar a cheirar a terra molhada, sentir os minúsculos pingos, como se fossem alfinetadas despertando-me, batendo insistentemente no meu rosto. Mais logo as viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, terão outro ânimo com esta agradável frescura. Isto está tudo do avesso, o vento ganhou coragem, a sua fúria faz com que as copas de algumas árvores lambeiam a terra num gesto de submissão ao descomunal poder da natureza. Na aldeia de Casais de Revelhos o céu azul toldado pela asfixia da grande quantidade de nuvens cinzentas, muda o brilho da tarde. Tenho dúvidas, na abertura total das portas da biblioteca ambulante, não vão, as histórias redemoinhar como loucas, dançando impulssionadas pela brisa violenta. A curiosidade trouxe-os até junto da biblioteca ambulante, vêem montados em bibcicletas, um deles traz às costas uma pequena mochila. A esperança inundou-me, as histórias esgueiraram-se, para ver quem eram, circundaram a biblioteca ambulante, uma, duas vezes e desapareceram. Até parece que o vento os levou. Sem nada acontecer, voltei às viagens com destino á aldeia de Mouriscas, uma pequena leitora, espreitou, entrou fugazmente, pegou numa história, nem uma página leu de certeza, com tanta precipitação. A tarde avança com celeridade, o meu apego a estas pessoas simples, às histórias, gruda o meu corpo ao banco da biblioteca ambulante, confiando na vinda de mais leitores.

 

17 Jun, 2019

Dias sem horas

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Não! As viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra não cassaram, houve uma pausa na escrita nas descrições das viagens. Hoje volto a expressar-me novamente, num dia amedrontado, embora entusiasmado na temperatura, a deslocação da  biblioteca ambulante é na direcção das aldeias da Lampreia e Casa Branca, situadas na freguesia de Alvega. Ao longo do caminho, já perto do destino. postes alindados por ninhos de cegonhas tornam a paisagem diferente, assim como as barracas improvisadas à beira da estrada abrigando vendedores de fruta, batata e outros legumes, heranças das muitas terras de cultivo nas margens do rio. Também a colheita de amoras na Courela de Alvega vai de vento em popa, uma marca com vínculo que se cruza constantemente nas viagens e andanças. Na segunda aldeia, no largo atravessado pela EN 118, os mesmos homens de um lado e outro da estrada, sentados nas esplanadas dos cafés, continuam a ver passar o tempo. O futebol e a hipotética transferência de clube do  João Félix anima as conversas entre goles de cerveja, nem a presença da biblioteca os demove do assunto. Adensam-se as nuvens no céu, na biblioteca os leitores demoram-se a optar pelas inúmeras histórias expostas nas prateleiras, pulando de alegria na esperança de serem escolhidas. As férias ainda agora se iniciaram, há mais tempo, dias sem horas, onde para muitos a leitura é a preferida  para distracção e uma possibilidade de continuar a aprender, sem desabituar o centro nervoso.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

07 Jun, 2019

Ler não existe

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O nevoeiro esconde o rio, á medida que me aproximo caminhando apressadamente o caudal, a ponte, estão á frente dos meus olhos, como sempre ali estiveram. Os patos Mandarins procuraram outras margens para se espreguiçarem e aquecerem, o sol mais alto mostra-se, o brilho encadea, desvio o olhar e continuo... Com as nuvens a instalarem-se, o padeiro a parar a carrinha na aldeia da Ribeira do Fernando, a biblioteca ambulante exaspera por leitores. São mais as mulheres que se juntam em redor do padeiro, segurando sacos cheios de pão, do que leitores que se acercam da biblioteca pegando sacos com livros. A fome de ler não existe, nunca foi alimento de primeira necessidade para esta gente. O pão é sempre o propósito para trabalhar, muitos desde pequenos. Até evitaram seguir os estudos, primeiro o trabalho e o pão, como seria se as letras, e as histórias  estivessem em primeiro lugar?