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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

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O corpo está preguiçoso. o bocejar continuo não tem fim, a manhã ao contrário do viajante das viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, está vigorosa.Mais fresca que as anteriores, mesmo assim o sol ergueu-se sorridente, embora ameaçado pela depressão Miguel que se aproxima. Seguindo na direcção da Carreira do Mato, com vista para o rio Zêzere, a norte do concelho, as nuvens vieram ao encontro da biblioteca ambulante, não foram suficientes para travar a viagem que terminou defronte da Tasca do Zé. As portas foram abertas, as histórias não se atemorizaram perante as notícias de que o vento traria rajadas furiosas. O dia de hoje ecoa há 75 anos nas histórias, nas páginas dos jornais, na oralidade e memórias, dos poucos que ainda são vivos, nas estantes dos arquivos e bibliotecas, foi o desembarque das tropas aliadas na Normandia, uma carnificina pelo tudo ou nada da liberdade da Europa, que para muitos ainda não serviu de exemplo. Continuando na aldeia,  os leitores surgiram, olharam e recolheram as histórias, falaram do tempo, das coisa simples, não há muito mais para se dizer, a humildade do lugar não tem a dimensão, social e cultural da cidade, são as pessoas e o meio natural que envolve a aldeia que a tornam aptecível e continuam a trazer os que partiram, os forasteiros e as histórias.

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Apesar dos insistentes avisos na rádio que a temperatura iria baixar, com alguma chuva á mistura, não reconheci o mérito da previsão anunciada. Desta vez acertaram, desprevenido com um pólo vestido, não sei como me vou aguentar nesta manhã de viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. Outro imprevisto aconteceu, ao rodar a chave da ignição da biblioteca ambulante, o motor não correspondeu ao solicitado. Trac! Trac! Foi só o que ouvi. Nova tentativa. Trac! Trac! Outra vez, a bateria cansada não quer colaborar, a sorte do cais de partida e chegada das viagens e andanças ser no quartel dos bombeiros, facilitou e desenrascou o viajante com a simpatia dos bombeiros, utilizando os cabos transmissores de corrente, alimentando a bateria preguiçosa com a bateria dadora de uma ambuância. Rodando a chave novamente, o motor nem hesitou, o som emitido e cheio de saúde anunciou que estava pronto para a partida. Sem os bombeiros as histórias estariam comprometidas na aldeia da Pucariça, com a ausência de leitores é a chuva que visita a biblioteca ambulante. Uma nuvem do tamanho da aldeia, esgota a sua água, sem parar, empurrada pelo vento, continua até o sol voltar outra vez sem trazer novidades. Só as nuvens que não se cansam de passar, são diferentes, umas mais gordas, outras muito escuras, ou muito brancas como o algodão, algumas imitam figuras geométricas, até formas de animais, de rostos, elas exibem. Foram as nuvens que me distraíram esta manhã, e se as nuvens fossem histórias, as gordas seriam histórias longas, as escuras histórias dramáticas, as brancas histórias de felicidade, todas as outras mais pequenas seriam contos. Olhando para cima com tanta história a viajar quase me esquecia que estava na hora de abalar.

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Voltei a cheirar a terra molhada, a manhã esgueirava-se da penumbra, parecia amedrontada, triste, com pingos sucessivos que não paravam. Lembrei-me que poderá estar a sofrer com a morte de alguém, talvez,  hoje o país está de luto pela morte da escritora Agustina Bessa-Luís, será isso? Sim, são lágrimas, de certeza, é a manhã a chorar, como será o resto do dia? Nas estantes da biblioteca ambulante as histórias estão abatidas, não têm o entusiasmo dos outros dias, sentem a perda de uma mãe, de alguém que não voltará a derramar a tinta da sua caneta, como se fosse o seu próprio sangue. As folhas brancas não mais receberão as suas prosas, fica-nos o seu legado, impresso nas várias edições existentes desde o início das suas criações nos finais dos anos quarenta, destaco a Campo das Letras actualmente a reeditar a sua obra. A chuva parou, actuou como um freio, na continuidade dos dias violentos de calor. No Tubaral, onde as viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, estacionaram, as vozes das mulheres de roda da carrinha da padeira, misturam-se na minha cabeça, avançar na escrita torna-se mais penoso. Olhando o céu escuro anunciando mais precipitação, regresso ao cais, onde tudo começa e acaba. 

 

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