Talvez um dia
Outro dia nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, uma manta estendida ocultou o sol esta tarde, com a biblioteca ambulante prestes a rumar para a aldeia do Souto, o viajante das viagens e andanças iniciará a última viagem, interropendo por duas semanas as mesmas. São dias de descanso necessários á reposição e renovação de energias, a escrita neste espaço também sofrerá um abrandamento, a mudança de rotinas assim o exige, a família, a busca de ideias novas são factores para este prodecimento. O sol continua encoberto na aldeia do Souto encostada ao Centro de Dia a biblioteca ambulante aguarda pelos utentes e leitores ainda com pouco tempo e hábito de leitura, entram para devolver uma história, as outras ainda vão a meio da viagem literária. São velhos, a vista estafada de ver muitas histórias de vida, só com pausas terminam a leitura, no próximo mês a biblioteca ambulante estacionará no mesmo lugar, na última vez que o viajante das viagens e andanças aqui se demorou, algumas utilizadoras da instituição confidenciaram um acontecimento no século passado que alterou o modo de viver destas populações. A construção da grande muralha que impede o rio Zêzere de correr em liberdade até abraçar o rio Tejo, a barragem do Castelo do Bode, inundou terrenos de cultivo, hortas, oliveiras, e outras árvores, pasto para animais, tudo isso submergiu sob as águas vindas dos montes Hermínios. Trouxe apoquentação aos homens e alívio ás mulheres, isto porque o antigo leito situava-se lá em baixo no final da escarpa, descer e subir constantemente com as colheitas ás costas, derrubava fisicamente estas mulheres ainda novas na altura. Assim estão actualmente, entrevadas, curvadas, apoiam-se em andarilhos na sua locomoção diária, passam o dia sentadas ou deitadas, mas ainda contam histórias. Na estrada com as casa á vista da aldeia das Fontes, estacionada na sombra de gigantes eucaliptos, outra conquistadora de asfalto, o adaptado açougue ambulante numa carrinha, a clientela á sua roda, não parava de olhar para as carnes expostas em vitrines. Todos os dias há encontros, seja o padeiro, o peixeiro, o merceeiro, a roupa, a frutaria e legumes, uma luta pela sobrevivência nunca vista, calcorreando aldeias e lugares. É o país real que temos e não muitas vezes o que nos entra pela casa dentro nas televisões e comentários nas redacções. Claro que a biblioteca ambulante com as histórias, testemunha esta e outras histórias, de maneiras de viver, de pessoas que têm tudo e não têm nada. Talvez um dia as Histórias á beira rio, as viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, sejam gravadas, sejam também elas uma história, talvez um dia!... O sol afoga-se no rio, até um dia destes.