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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

31 Jul, 2019

Talvez um dia

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Outro dia nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, uma manta estendida ocultou o sol esta tarde, com a biblioteca ambulante prestes a rumar para a aldeia do Souto, o viajante das viagens e andanças iniciará a última viagem, interropendo por duas semanas as mesmas. São dias de descanso necessários á reposição e renovação de energias, a escrita neste espaço também sofrerá um abrandamento, a mudança de rotinas assim o exige, a família, a busca de ideias novas são factores para este prodecimento. O sol continua encoberto na aldeia do Souto encostada ao Centro de Dia a biblioteca ambulante aguarda pelos utentes e leitores ainda com pouco tempo e hábito de leitura, entram para devolver uma história, as outras ainda vão a meio da viagem literária. São velhos, a vista estafada de ver muitas histórias de vida, só com pausas terminam a leitura, no próximo mês a biblioteca ambulante estacionará no mesmo lugar, na última vez que o viajante das viagens e andanças aqui se demorou, algumas utilizadoras da instituição confidenciaram um acontecimento no século passado que alterou o modo de viver destas populações. A construção da grande muralha que impede o rio Zêzere de correr em liberdade até  abraçar o rio Tejo, a barragem do Castelo do Bode, inundou terrenos de cultivo, hortas, oliveiras, e outras árvores, pasto para animais, tudo isso submergiu sob as águas vindas dos montes Hermínios. Trouxe apoquentação aos homens e alívio ás mulheres, isto porque o antigo leito situava-se lá em baixo no final da escarpa, descer e subir constantemente com as colheitas ás costas, derrubava fisicamente estas mulheres ainda novas na altura. Assim estão actualmente, entrevadas, curvadas, apoiam-se em andarilhos na sua locomoção diária, passam o dia sentadas ou deitadas, mas ainda contam histórias. Na estrada com as casa á vista da aldeia das Fontes, estacionada na sombra de gigantes eucaliptos, outra conquistadora de asfalto, o adaptado açougue ambulante numa carrinha, a clientela á sua roda, não parava de olhar para as carnes expostas em vitrines. Todos os dias há encontros, seja o padeiro, o peixeiro, o merceeiro, a roupa, a frutaria e legumes, uma luta pela sobrevivência nunca vista, calcorreando aldeias e lugares. É o país real que temos e não muitas vezes o que nos entra pela casa dentro nas televisões e comentários nas redacções. Claro que a biblioteca ambulante com as histórias, testemunha esta e outras histórias, de maneiras de viver, de pessoas que têm tudo e não têm nada. Talvez um dia as Histórias á beira rio, as viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, sejam gravadas, sejam também elas uma história, talvez um dia!... O sol afoga-se no rio, até um dia destes.

30 Jul, 2019

Colhem frutos

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As árvores não param de dançar, nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, a biblioteca ambulante, uma árvore cujas raízes se vão propagando por um vasto território onde  histórias são frutos. Haja quem queira vir ao quintal, apanhar os frutos, saborear, interiorizar os paladares, dar a provar a outros, aos indecisos, aos que dizem que não gostam, aos que nunca foram. Experimentem cheirar a fruta, descascar, retirar um gomo, até mesmo um pedaço,  mastigar sentir o suco a espalhar-se ao mesmo tempo, as histórias são assim, quando se lê a primeira. No início abram-na, coloquem as narinas perto das folhas, um odor a tinta e papel sobressai, ler um capítulo lentamente, perceber a mensagem de quem escreve, se for necessário volta-se ao princípio  para se ter a certeza que se gosta, penetra-se na história, as emoções, é um personagem da história, tem simpatia por algum deles. Depois, aptece mais, quer mais, continuará até ao fim. Na vila do Tramagal, no largo onde a biblioteca itinerante se demora, ouço o rumorejar das folhas dos plátanos, os seus ramos compridos tocam-se, num acto de socialização. Na biblioteca itinerante, pequenos e graúdos comunicam entre si, com as histórias, colhem frutos.

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Ouço o apito do comboio, indício que a chuva poderá surpreender neste dia de viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, onde sobressai a ausência do verão. Sendo a presença da biblioteca ambulante nas aldeias da Concavada e Pego  real, mais logo nos locais habituais, acreditando que os leitores aplicados gastem as histórias, mas nunca as suas mensagens. Vou ter a companhia do vento, murmurando devagarinho, gritando por momentos, de modo grosseiro aos meus ouvidos. São os lamentos da natureza, cada vez mais adulterada pela acção do comportamento humano, adiantando caminho ao destino, na planície a cor é instável, desde o amarelo que magoa a vista, ao preto indicador que por ali andou o diabo. Na Concavada as árvores estão alarmadas, as ramagens não descansam, são leques gigantes que arrefecem o viajante das viagens e andanças. Aqui são poucos os leitores que consomem letras,  até agora não descobri nenhum, as férias continuam, viajaram para  acharem outros lugares, novas culturas, estão a trabalhar, não têm um lampejo de determinação em saber ainda mais. Tudo isto me faz perder o sossego, a escassez, o que falta desenvolver ainda mais, a inoperância política, admitindo haver soluções para ultrapassar estas incertezas. Na aldeia do Pego, representada pelas suas casas baixas, os enfeites estão uniformes do seu princípio ao fim e vice-versa, alertando quem a atravessa pela EN118, que as festas estão aí no fim de semana que se aproxima, um mar de gente brota de todos os lugares para se concentrarem na aldeia, animando as tardes e noites.

 

26 Jul, 2019

Duma mirada

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O verão foi ali e já volta, assim impõe a meteorologia nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. Tarde excelente para viajar na biblioteca ambulante pelas aldeias de Casais de Revelhos e Mouriscas a levar e dar histórias, não fosse o viajante das viagens e andanças no trajecto na Av. António Farinha Pereira (EN2), deparar outra vez com enormes árvores decepadas. Desta vez abatidas, foram as generosas pinheiras, nunca mais as suas sombras protegerão quem  caminhe por lá, ou mesmo circulando de automóvel neste trecho, que foi ladeado por formas de vida, referências patrimoniais deste local. A causa terá sido as suas extensas raízes, que se projectavam debaixo do asfalto da estrada ( talvez?), certamente a engenharia actual tem maneiras de ultrapassar esta extravagância das árvores, sem as destruir. Aconselho a leitura da história da Vida secreta das árvores escrito por Peter Wohlleben, e de uma vez por todas aprendam, frequentem bibliotecas, informem-se de como podemos conviver com diversas formas de vida sem nos livrarmos das mesmas violentamente. Aproveitem a correria das bibliotecas ambulantes pelas aldeias, no interior do país, onde estão as nossas raízes, a origem do que somos hoje. Em Casais de Revelhos houve histórias que partiram termporariamente, foi um leitor que as levou, iam seguras nas suas mãos, com tanto para lhe transmitirem. Na aldeia das Mouriscas as rabanadas inesperadas do vento atingem o toldo da biblioteca ambulante com ímpeto, as folhas dos jornais abrem-se de par em par, como se alguém que me escapa á vista cobiçasse todas as letras duma mirada.

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Depois de uma manhã onde chuviscos deram um ar da sua graça, as viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, são percorridas pela biblioteca ambulante numa temperatura habitual nesta época do ano no concelho, muito calor. As histórias estão prestes a ser tocadas, agarradas, há quem almoçe com elas, durma com elas na cabeçeira da sua cama, viaje levando-as na mochila, na mala. Até á praia vão, naquelas tardes em que o sol atravessa lento o rumo ao zénite. Muitas acabam ignoradas por quem adormece a meio da sua leitura, outras são exploradas nas viagens de comboio, nos transportes e filas dos serviços públicos. Na ponte rumo além Tejo o meu olhar poisa  lá em baixo no rio, as águas galgaram sofregadamente as margens, tendo mesmo submergido o passadiço junto á fonte dos Touros. As nuvens conquistaram o azul do firmamento, só não conseguem diminuir o calor na aldeia da Lampreia, onde a biblioteca ambulante se instalou. Sem nada acontecer, com a fronte a escorrer água, recomeço outra viagem na direcção de outra aldeia, Casa Branca. Matei a sede com água fresca no café Chez Cláudia, onde na esplanada estão sempre os mesmos homens a contemplar estranhos que cruzam a estrada que lhes divide a aldeia. Ainda assim confio que os leitores não se esqueçam das histórias, quando precisam estão sempre disponíveis para eles com as suas capas coloridas apontadas aos seus olhares curiosos e expectantes para  encontrarem o trama que os faça agitar nas emoções.

 

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