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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

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A manhã aconteceu a preto e branco, a tarde nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra sucede colorida e quente. Na primeira aldeia, a ausência foi presença assídua, no período em que a biblioteca ambulante se demorou com as histórias. Somente a frescura branda do vento a impulsionar a viagem seguinte para a aldeia da Água Travessa, onde certamente leitores se acercarão das histórias. Na Chaminé são os velhos a população emergente, os outros são poucos, regressam no final da tarde, nunca os vi chegar, vejo os da Água Travessa. Aliviados por mais um dia de trabalho terminado, surgem estafados, e apressados, com olhares fugazes na direcção da biblioteca ambulante. Nunca tiveram a ousadia, a curiosidade de espreitarem as histórias, parece fugirem delas como o diabo foge da cruz, nunca se interessaram de perceber a teimosia do viajante das viagens e andanças, de voltar sempre á aldeia. Saberão eles, que há quem leve e traga histórias na sua aldeia, que nunca faltam ao apelo das letras? Tenho esperança de um dia vê-los a caminhar no sentido das histórias, reunidos neste espaço, a tocarem, a mexerem, a escolherem histórias, a ganharem confiança,  para serem eles a narrarem as suas histórias.

 

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As histórias estão fora de si, nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, a biblioteca ambulante volta a circular, esta manhã a caminho da aldeia da Atalaia, a exaltação lá atrás não tem explicação. Após dois dias inactivas nas prateleiras, encerradas na escuridão do dia e da noite, as histórias saltam de felicidade por retomarem as suas viagens. Desde as velhinhas "Ternos guerreiros" da escritora Agustina Bessa-Luís, ou "As Terras do Demo" de Aquilino Ribeiro, as recentes " Arquipélago " de Joel Neto, e "Livro" de José Luís Peixoto, terminando nos gaiatos " O que vês dessa janela " da Isabel Minhós Martins, ilustrada por Madalena Matoso e "Sementes à solta" da Fernanda Botellho, com ilustração de Sara Simões. Não passam de exemplos, pois todas as outras, mesmo  as de outros dialetos estão eufóricas. Nas curvas da estrada que as trouxe de volta á aldeia, até o viajante das viagens e andanças tem uma atitude expectante. O sol aquece o largo, dos encontros e desencontros, com o padeiro, da passagem dos automóveis, das novidades, dos rumores. As histórias no largo abraçam todos os que se acercam da biblioteca ambulante, matam saudades.

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Os rabiscos no céu pela manhã prognosticavam a retenção outra vez das histórias, traços indeterminados continuam nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. A reparação demorada, sufoca as histórias no interior da biblioteca ambulante, não há desenvolvimento, não há passagem para os leitores nas aldeias. Pressuponho a angústia das histórias aprisionadas, vedadas ás pessoas, não lhes ser permitido manejar as suas páginas, de rosto, prefácio, capítulos, posfácio, 1,2,3,4,5,6, ... e por aí à frente, as letras, as frases, serem devoradas por olhares curiosos, de interessados, de quererem aprender, de se emocionarem. Basta, desejamos momentos de alienação a ler históras, expressam os leitores. Não sei se condenam assim, são humildes de mais para tais atitudes, deveriam implorar, mais alternativas no serviço público da biblioteca ambulante, não renunciar aos lugares menos iliteratos. Tragam outras escolhas que arriscamos a olhar para as histórias, perdemos a insegurança, levaremos as histórias a entrar nas nossas casas, revelam. Objectos diferentes, os livros, colocados nas mesas, nas cadeiras, onde nunca estiveram, vida nova a acontecer. Será assim tão difícil de levar histórias, aqueles que pelos mais variados exemplos não têm oportunidades?

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As viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, não se desenvolveram esta manhã. Os trabalhos na substituição de peças gastas que autorizam a abertura da porta lateral deslizante da biblioteca ambulante, consequência das inúmeras vezes da abertura para permitir que os leitores abusem das histórias, são o motivo da paragem momentânea. O viajante das viagens e andanças tem esperança que amanhã possa viajar até á Aldeia do Mato, localizada na margem de um prologamento do rio Zêzere, causado pela barreira de betão no Castelo do Bode que impede as água do rio prosseguirem no seu curso natural. Sendo actualmente a praia fluvial a atracção que traz muitos forasteiros a este local, talvez a biblioteca ambulante receba no seu espaço alguém que seja de fora. Dos nativos deste lugar, habitualmente dois três, são leitores mais assiduos, na estação acabada de se retirar, há mais agitação, as férias em casa de tios, avós, trá-los á demanda de histórias diferentes, onde possam repousar o corpo dos mergulhos no rio e das correrias nos trilhos dentro do mato.

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Retornar á aldeia de Sentieiras na biblioteca ambulante, percorrer a estrada ziguezangueante, descer vertiginosamente os últimos metros, estacionar junto do Mercadinho da Fonte, é sempre motivante. Depois de beber um café, deixar á disposição o jornal A Bola, as falas rumam na direcção do jogo da noite anterior, entre o Sporting e o Famalicão. Como sportinguista ouvi comentários trocistas, a rivalidade saudável dos adeptos das agremiações da 2ª circular é por demais evidente nas aldeias das viagens e andanças, levando a demasiadas palavras e a coisa nenhuma. O sol continua ausente, os leitores também, mais uma vez as histórias receiam a impassibilidade, os afazeres, os quotidianos, as arrelias, afastam-nos, voltam noutro dia, confiam nas histórias, estão semprea regressar com narrativas diferentes, com outros acontecimentos.

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