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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

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Continuando, com a harmonia das bibliotecas ambulantes nos territórios onde exercem a sua influência, todos sabemos das dificuldades encontradas nos dias de hoje, há cinquenta anos atrás, no ano da sua criação por sugestão de Branquinho da Fonseca, no sentido de promover e desenvolver a leitura, no acesso à informação daqueles com menos posses, e com dificuldades de deslocação aos centros urbanos, de conseguirem alcançar as histórias. Naquela época não se colocavam as barreiras como hoje, não sendo muros de inacessibilidade á leitura, mas sim de a colocar, conquistando interessados. Actualmente continuam as classes menos favorecidas, as aldeias permanecem nos mesmos sítios, afastadas das sedes de concelho, só que o desenvolvimento tecnológico evoluiu, os interesses são diferentes, o acesso á informação é facilitado através das máquinas, computadores, telefones, isto para os que ainda resistem nos locais menos povoados, que sabem ler e sem problemas de subsistência económica. Os outros na sua maioria estão velhos, muitos nunca pegaram num livro ou não sabem ler, partiram procurando aspectos necessários para existirem melhor, com isto reunido, sobra uma população resignada e caduca. São panoramas com que se deparam as bibliotecas ambulantes diariamente, aldeias com leitores, aldeias onde nem as pessoas se deixam ver. Não é por isto que se vai desistir, é um problema que abrange todas as bibliotecas, mesmo as fixas, das quais somos os seus braços. Não vamos fechar as bibliotecas fixas por cada vez terem menos leitores e utilizadores, qualquer um hoje em dia perante uma interrrogação, acede ao seu PC, pesquisa num motor de busca e tem inúmeras opções de resposta para o que pretende. Umas e outras têm de se adaptar, reiventar com serviços que atraiam as populações, sem com isso deixar de usar o seu estandarte, as histórias, a leitura é a sua batalha principal. Já instaladas nos diversos territórios, as bibliotecas ambulantes conquistaram a confiança dos que a utilizam, dos que a observam, dos que estão quase a entrar, demora anos a educação na leitura, não vamos agora que estão a ceder, á vergonha, á curiosidade, á vontade de voltar a folhear páginas, aprender a ler outra vez, abandonar estas pessoas. Seria um golpe duro, como ficariam, emocionalmente, que maldade fizeram para nunca mais assistirem á permanência das bibliotecas ambulantes nos seus territórios. Temos que procurar novos caminhos nos nossos espaços, entrar noutras aldeias, bater às portas dos aldeões, buzinar as bibliotecas ambulantes, como o fazem o padeiro e todos os outros que não desistem. Dependem uns dos outros na oferta e na procura. Com calor, com frio, com muitos, com poucos, a nossa missão é a de continuar a circular nos mesmos, abrindo novos caminhos, ensinando os que aí vêm como se faz, mostrar que o conceito de Coesão Territorial, afinal já existe, são as bibliotecas ambulantes as pioneiras. 

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As viagens, as das andanças com letras pelas aldeias da minha terra, e todas as outras das bibliotecas ambulantes que  não se cansam de atravessar, aldeias e lugares, vencer continuamente quilómetros, são possivelmente o primeiro modelo de coesão territorial, na apresentação de um serviço. Neste caso, disponibilizar informação, desenvolver a leitura pública, abragendo os territórios mais afastados dos centros urbanos. Um reconhecimento por parte das autarquias, são extensões das bibliotecas fixas, instrumentos energéticos entre estas e as comunidades rurais que ajudam. Podem ganhar agora outra dinâmica através do Programa Nacional para a Coesão Territorial, conhecem os territórios que percorrem diariamente, as pessoas ganharam a sua confiança, unem redes mundiais pela troca virtual de dados e mensagens, juntam particulares a organizações culturais, de pesquisa.  Têm todas as condições para promover a mecânica entre a oferta de serviços urbanos e rurais, dar possibilidades  a outros que por qualquer motivo queiram regressar, pois sabem que as bibliotecas ambulantes, puxam outros serviços móveis, como as Lojas do Cidadão, e serviços no âmbito da saúde. Outros por cá também circulam , os vendedores ambulantes, com o pão, o peixe, a carne, a mercearia e o pronto a vestir. Nâo meditem nos números, considerem antes as pessoas, com estas novas oportunidades, atraindo ao mesmo tempo os que nunca cá vieram. 

 

 

 

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A ousadia do sol contagia o viajante das viagens e andanças, hoje será a vez da aldeia do Vale do Açor, a hospedar a biblioteca ambulante. Durante a viagem ultrapasso charnecas vibrantes, sítios onde os raios solares não atingiram ainda as mantas de orvalho que cobrem a erva daninha, e a de pastagem. A caducidade das folhas de algumas árvores é visível, cores quentes, a lembrar as coberturas das histórias que a biblioteca não se cansa de transportar. O Outono progride, a biblioteca ambulante segue o exemplo, acompanha o planeta na sua rotação, escolta as aldeias, as populações. Movimenta-se em torno da luz e calor das pessoas, assim como a Terra o faz na sua relação com o sol, sem esta união, não faz sentido continuar. Há momentos de muito calor, outros de frio, a biblioteca ambulante e as histórias uniformizam estas temperaturas, há que continuar a manter o equilíbrio, com o objectivo de absorver cada vez mais a energia das multidões com as histórias ou funções que atraiam aldeões.

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Na aldeia da Ribeira do Fernando não se vê ninguém, a biblioteca ambulante avança devagar pela rua principal, o sol ilumina hortas e quintais, os ramos de oliveira, espalhados nos terrenos, são indício até para os menos informados, que a colheita da azeitona por aqui foi efectuada. Alguns destes aldeões já têm o seu azeite depositado em garrafões ou vasilhas próprias para o efeito, a sua durabilidade irá até ao Outono do próximo ano, irá inundar pratos de bacalhau, de couves e batatas, aromatizará saladas, sopas, na doçaria emprestará o sabor a bolos e sobremesas. Ensopado no pão ainda é a melhor maneira de o saborear, tal e qual como provar as primeiras palavras de uma história. Devagar poisamos os olhos na página de rosto, mudamos a folha, vem o prefácio, a seguir o príncipio da história, se for boa, já não conseguimos parar. Assim é com o degustar do azeite no pão, com cautela observamos o óleo, é feita uma leitura rápida da sua aparência, progredimos com o pão na mão na direcção do prato, lentamente o pão entra em contacto com o azeite, por fim calcamos o pão, até ficar encharcado naquela cor dourada, se agradar queremos o azeite para além do alimento. As laranjas também se vão aproximando da sua finalidade, muitas vezes saem dos ramos que foram o seu cordão umbilical violentamente, a sua casca gera deliciosos licores, do seu sumo não se fala, tal é o bem que faz, comidas com a mão é como folhear as histórias.

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Ontem ao final da tarde, um hábito que efectuo em muitas outras circunstâncias, deambulei pela única livraria da cidade. Livraria, isto é, uma extensão envolvendo além de histórias, papelaria e acessórios relacionados com a escrita. Ali estou eu, a tirar a repor histórias, leio contracapas, badanas, conheço biografias, bibliografias. A ler fragmentos, cativando na memória futuras compras, perco-me, esqueço-me do tempo a passar. Estou no lado contrário, o lugar dos que frequentam a biblioteca ambulante, sob o impulso da curiosidade de conhecer mais ainda, é nestas pequenas viagens a percorrer no espaço de pouco mais 100m2, de olhar atento que encontro pequenos tesouros, incógnitos. Foi assim  ao folhear um deles, sem me recordar do título e do autor, coincidente com um texto que escrevi, causador de uma pequena fricção, que não é relevante para aqui, deparei com a frase «as palavras escritas são perigosas». E para quem as lê o que são? 

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