A alegria do dia contagia as pessoas na rua, assim como irá corromper as viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, juntamente com as histórias às povoações da Chaminé e Água Travessa. Absolute Beginners, de David Bowie acompanha o viajante das viagens e andanças, com as memórias a invadirem a viagem pelo amplo vale, pouco antes de outra aldeia, Bemposta. Na Chaminé ainda as portas se abriam, imediatamente uma mulher apareceu, surpreendendo o viajante das viagens e andanças, que não vislumbrava alguém entrar na biblioteca ambulante na aldeia há muito tempo, pela expressão meditativa, não se recorda quando foi a última vez. Há muitos anos atrás frequentou a outra biblioteca itinerante, que foi comandada pelo José Dinis, pela Fundação Gulbenkien. O olhar e a curiosidade não se cansavam, unidos de um lado para o outro, fitando e pesquisando as histórias nos seus lugares, estas todas vaidosas e empertigadas com esta visita inesperada. As nuvens invadem o firmamento, na charneca a terra não aguenta mais água, numerosas ovelhas pastam ao longo da estrada, com o frio à boleia na bibioteca ambulante ambulante, as histórias param na última aldeia, Água Travessa.
O destaque da tarde nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha de terra, de hoje irá para a chuva que até agora ainda não parou de cair. A apreensão das histórias é visível, a biblioteca ambulante está preparada para se fazer à estrada, advinhando um longo período marcado pela ausência de leitores. Na aldeia do Souto, uma chuvinha que não permite ao viajante das viagens e andanças escapar incólume, não se esgota vinda de um céu escuro. Como previsto, o que não se esvaziou foram as histórias, nem uma saíu do seu lugar, nas estantes da biblioteca ambulante ali estão, agitadas, pela ausência das vozes, das mãos que as agarram, dos dedos que viram as folhas, dos comentários, disto e daquilo que as letras formam. Nem a música a soar no rádio da biblioteca ambulante, evita que as pálpebras do viajante das viagens e andanças tenham momentos de fraqueza, quando tal sucede, rapidamente esfrega a vista, corrije a posição do corpo no banco, abrindo muito os olhos para o portátil, e continuar a escrever o texto que mais tarde depois de publicado poderão ler. Na estrada a condução da biblioteca ambulante é efectuada com mil cuidados, derivado ao piso traiçoeiro, nas curvas e contracurvas da descida vertiginosa em direcção ao lugar de Sentieiras do Souto. O cuidado é tanto que o avanço é feito no meio da via, não vão as escarpas que orlam a estrada desabar, trazendo a rebolar grandes pedras, impedindo as histórias de chegarem ao destino. Ainda assim há teimosos que não deixam de visitar as hortas, vêm pela beira da estrada empurrando um pequeno carro (carrinho de mão), contendo algumas couves e lenha, que apesar molhada não se livrará de ser queimada nas chamas das lareiras. Na aldeia das Fontes para agravar a situação, a Tasquinha d' Aldeia está encerrada por ser dia de descanso, quando assim não é, há sempre um ou outro que espreita e entra procurando uma ou outra novidade, quanto mais não seja para ler o jornal. A chuva cai com mais itensidade, não sei o que realizar a não ser esperar, com a noite logo ali ao virar da esquina, com o temporal mais enfurecido, que alguém surja não sei de onde, com uma grande vontade de ler uma ou mais histórias.
Um escritor decadente enfrenta uma crise financeira e emocional enquanto o Rio de Janeiro colapsa à sua volta. Tragicomédia urgente, o novo romance de Chico Buarque, o primeiro depois da atribuição do Prémio Camões, encara de frente o Brasil do agora.
Autor de um romance histórico que fez furor nos anos 1990, o escritor Manuel Duarte passa por um deserto criativo e sentimental. Dividido entre várias ex-mulheres, espartilhado por pesadas dívidas, surpreendido por um filho de quem vai aprendendo a ser pai, Manuel Duarte bate perna nas ruas do Leblon no intervalo das horas em frente ao teclado, desesperando por um novo livro. O pano de fundo é um Rio de Janeiro que sangra e estrebucha sob o flagelo de feridas sociais a cada dia mais ostensivas; cenário maior onde se desenrolam as feridas individuais das personagens, que juntas compõem um diário em que se procura fazer sentido do tumulto do presente. Ao seu melhor estilo, Chico Buarque esfuma as fronteiras entre vida, imaginação, sonho e delírio, e constrói uma narrativa engenhosa, tão divertida quanto trágica, em cujas entrelinhas se descortinam as contradições de um país ameaçando despedaçar-se, assim como as deliciosas incoerências e ilusões da gente como nós.
As barracas ocupam o lugar onde as histórias acontecem no Tramagal, fito rapidamente ao conduzir a biblioteca ambulante na direcção do infantário. Instantaneamente prevejo outro local para permanecer quando regressar. Também ao redor da escola o recinto está mudado, é excessiva a presença de adultos, percebo que hoje se realiza a festa de Natal, são muitos os pais e avôs, e outros familiares. As histórias dos mais pequenos não sairão das estantes, a tarde para eles é com outra magia, estarão atentos à peça de teatro, inquietos pela presença do Pai Natal, pelas ofertas deste. Mulheres a trajar de avental, não param de um lado para o outro, o lanche é reforçado com guloseimas, tem de ser uma mesa digna de festa com honras ao São Nicolau ( noutros anos foi o Menino Jesus ). A iluminação no interior da biblioteca ambulante, não é indiferente a quem anda por perto, já são alguns anos de viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, e continua a motivar curiosidade. Tem dias que parece uma carrinha do outro mundo aos olhares dos mais distraídos, até mesmo nos que são leitores assíduos, vejo estampada a perplexidade nos seus rostos. Claro, para eles as bibliotecas ambulantes, foram utéis no século passado, não havia tecnologia que possibiltava outros passatempos que ofuscam a leitura como nos dias que correm. Possuíam suportes, as da actualidade também os têm e com acessos mais rápidos, apêndices que os ajudaram a crescer, autênticos auxiliares na educação no desenvolvimento cultural e como pessoas. Quando chocam com a biblioteca itinerante, numa aldeia qualquer, questionam em voz alta! Isto ainda existe?
Uma densa cortina de água ofusca o largo na aldeia da Concavada, nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. Parece desabitado, pior ainda, abandonado, as folhas que se soltam das árvores vagueiam empurradas pelo vento. Com o decorrer da duração da presença da biblioteca ambulante, o viajante das viagens e andanças, acostuma-se, a sua vista alcança umas luzes de cores verdes, encarnadas e amarelas piscando no interior do Café do Largo. Afinal há vida neste espaço, onde as janelas com persianas fechadas das casas que rodeiam o largo mentem às histórias, que vêm ao encontro dos aldeões. A esperança hoje é desprovida de qualquer aproximação de leitores, os frequentadores do café nunca arriscaram entrar na biblioteca ambulante, preferem outros modos na ocupacação do tempo livre. Os outros não querem enfrentar o temporal, a chuva está mais intensa, a noite começa a lamber a tarde, e o estalar do lume nas lareiras conquistou quem lê. A aldeia do Pego e os seus leitores aguardam a chegada das histórias.
Todos os discursos de um dos mais cómicos e sagazes oradores do seu tempo (e, quiçá, de sempre, embora ele discordasse ): Mark Twain
Pode ser mais conhecido por ter escrito as aventuras de Tom Sawyer e Huckleberry Finn, ou pelo muito citado desmentido «as notícias da minha morte são manifestamente exageradas», mas, no seu tempo, sempre que Mark Twain falava em público era um acontecimento. E um acontecimento muito divertido.
Feriados nacionais, aniversários, banquetes de homenagem, cerimónias de graduação, festas de pequenas associações ou grandes eventos de solidariedade - Mark Twain foi convidado para falar em todas estas ocasiões, e aqui, numa recolha de mais de quatro décadas de discursos, prova-se que conseguiu ser sempre memorável. Falou de cigarros, chapéus, bilhar, poesia, impostos e direitos das mulheres, fez brindes de celebração e ofendeu alguns celebrados, mas, acima de tudo, divertiu-se e fez rir. Felizmente, ainda faz.
«Por vezes, um determinado trecho do repertório torna-se incrivelmente relevante durante alguns anos, para depois arrefecer, no momento em que outros problemas sociais passam a ocupar o primeiro plano. É então, porém, que um outro monólogo, que até então ocupou um nicho modesto, útil mas não triunfante, entra em combustão espontânea e exibe com um sorriso irónico a sua compreensão intemporal do nosso mundo tresloucado.» - Hal Holbrook, Introdução
«O meu primeiro antepassado americano, meus senhores, foi um índio. Os vossos antepassados esfolaram-no vivo, e agora eis-me órfão. Eu nem criticaria esse gesto, caso precisassem da pele dele; mas vivo, meus senhores - vivo! Pensem só como o índio se deve ter sentido; é que ele era uma pessoa sensível, que se acanhava com muita facilidade. Deve ter-se sentido despido, depenado como um frango. E despido já ele andava normalmente: deve ter-se sentido duplamente despido.» Mark Twain, discurso proferido no Primeiro Jantar Anual da Sociedade da Nova Inglaterra da Pensilvânia, 22 de Dezembro de 1881
«Quando Mark Twain entrou em palco com o seu cabelo revolto, dir-se-ia um halo a rodear-lhe a cabeça, e um semblante em que se lia um grande desalento, foi acolhido por uma prolongada salva de palmas. Aparentemente sem recuperar o ânimo, caminhou em passadas largas até ao palanque, apoiou-se nele com a mão direita e começou a falar.» New York Sun, 19 de Novembro de 1884
Os braços do sol tocam nas minhas costas, mas o sopro do vento é demasiado frio para suavizar a permanência da biblioteca ambulante na aldeia dos Casais de Revelhos, nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. Além do sol também as histórias acompanham o viajante das viagens e andanças, em mais um dia a espalhar as letras, as palavras, e as frases reunidas que promovem as histórias que outros consideraram através da escrita. Terminando, impressas no papel, umas mais apertadas que outras, grandes e pequenas, há as que ensinam a ler, as que educam, as que informam. No seguimento vêm as que dão prazer, que despertam emoções, condições para sermos livres. Na aldeia das Mouriscas, nem com o sol a fugir no horizonte, os melros deixam de cantar perto da biblioteca ambulante, só falta o sapo para recontar outra história do Sapo e o canto do melro. O chá ainda fumega, acabado de sair do termo, os meus pés iniciam um período de agonia, com a temperatura a descer vertiginosamente, depois vem o resto da estrutura. Assim uma bebida quente combate o frio, enquanto a biblioteca ambulante não aquece com a presença dos leitores.