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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Wook.pt - A Casa da Mosca FoscaSinopse

"A casa da mosca fosca" é uma adapatação realizada a partir de um conto popular russo recuperado por Alexander Afanásiev. As diferentes personagens introduzem os leitores num atraente jogo de números e tamanhos, rimas, repetições e ritmos, que são elementos próprios da tradição oral. Trata-se de um conto acumulativo que apresenta uma galeria de personagens que convidam ao jogo fonético.
O ilustrador Sergio Mora cria animais delirantes, com personalidade própria, repletos de humor e expressividade, utilizando cores "explosivas, quase fluorescentes". Um conto para ler e contar, que cresce em intensidade a cada página até culminar num final surpreendente.

Kalandraka, outubro de 2010                    

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Os gatos da minha rua andam mandriões, os dias são passados de barriga para o ar, dormitando nos alegretes. Os gatos da minha rua, perderam a insegurança, atrevem-se a saltar muros, e sebes dos quintais. Os gatos da minha rua andam mais afoitos, quando o sol lhes sorri, é vê-los deitados no passeio, em cima dos carros as suas peugadas são percetíveis, deixando o rasto ao longo do capô, no vidro dianteiro, prolongando-se no tejadilho, e terminar na zona da bagageira. Os gatos da minha rua são aventureiros, não me canso de os ver, a agilidade com que trepam aos telhados,  colocando os pardais de sobreaviso. As correrias nos baldios, atrás uns dos outros na brincadeira, ou então a delicadeza dos seus movimentos quando avistam um rato no meio das ervas. Agacham-se, deixam-se estar pacientemente, depois avançam lentamente, evitando obstáculos que possam alertar o distraído roedor. Saltando de uma só vez, caçam a presa, regressam ao espaço aberto, orgulhosos com o roedor aprisionado nas mandíbulas. A pouco e pouco pousam o bicho no chão, deixam-no afastar-se, dando-lhe esperança de uma fuga bem sucedida. Mas tal não acontece, voltam a prende-lo com a boca, sucessivamente o episódio repete-se até o pequeno roedor desistir. Os gatos da minha rua já me conhecem, quando caminho, miam à minha passagem, sabem quem eu sou. Dou-lhes comida, sobras de refeições, não são demasiadas, agora procura-se aproveitar mais. Os gatos da minha rua, conquistaram-na.

 

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Hoje lembrei-me do futebol e do Sporting, clube pelo qual sinto uma grande paixão, cá em casa ao fim de semana, o jogo era uma forma de nos reunirmos na "biblioteca". Eu, o meu pai e os meus três filhos, não perdíamos um jogo do nosso Sporting, assim estávamos atentos, éramos ao mesmo tempo comentadores, treinadores e árbitros. Puxávamos pela nossa equipa, como aqueles que lá estavam a ver o jogo no estádio, gritávamos golo, alguns impropérios quando as incidências do jogo não eram favoráveis ao nosso clube. Entre resmungo, alegrias e tristezas, aquele tempo em que o jogo decorria era nosso. De repente tudo acabou, o futebol terminou, deixámos de estar reunidos, de saltar quando a bola entrava na baliza adversária. GOOOOLOOOOO! Gritávamos todos em uníssono, levantando os braços de contentamento. Os dias que antecediam os jogos do Sporting, muitas vezes eram expectantes, o dia do jogo nunca mais se aproximava. Quando a derrota nos surgia pela frente, algo que nos últimos tempos era frequente, o desânimo tombava em cima de nós, no dia seguinte o mau estar caminhava sempre ao nosso lado.  Acabaram as conversas no café, as disputas clubísticas, as palavras que se atiravam para o ar com sentido provocatório. Transmissores e recetores de tais palavras nunca mais se reuniram no café, confio que estejam bem. No meu intimo foi bom o futebol ter terminado, a conflitualidade entre dirigentes, entre adeptos, estava a tomar o sentido dos extremismos, o resto, o jogo sujo de que tanto se discute, serão os tribunais a decidir quem prevaricou. Nunca mais vi futebol, nunca mais li sobre futebol, e no meio de toda esta pandemia talvez seja o menos importante, mas tenho saudade do convívio que ele proporciona, tenho saudade da adrenalina que ele gera. Afinal o futebol observado socialmente sem extrapolar os limites da violência é importante e faz falta a quem ama o jogo, as táticas, as fintas, os golos as defesas e os génios com a bola colada nos pés como se tudo isto fosse fácil.

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O sol amedrontado, joga às escondidas com as nuvens, o vento só agora alcançou este bocado de Portugal. Chegou com fúria, sacode as recentes folhas das árvores do quintal de tal maneira, não fosse estarem bem seguras nos cordões umbilicais que as prendem aos ramos, teriam voado e rodopiado para lugares que nem eu sequer conheço. Sentado exercendo o meu teletrabalho, ouço o som produzido por um balde ao ser arrastado pelo domínio do vento, as portadas das janelas, batem com violência. Eu já vou bem agarrado com as duas mãos no limbo de uma folha, apoiando ambos os pés no pecíolo, para não cair em virtude da velocidade. O assobio do vento é a música que me faz companhia nesta viagem inesperada, olho para baixo e vejo os cavalos brancos com as crinas flexíveis, movendo-se de um lado para o outro no pescoço dos animais. Os patos no rio cá cima são minúsculos, só uma cegonha se atreve a voar perto da folha onde agora consigo planar, o vento não faz tanto barulho, a calmaria e o silêncio, são meus parceiros agora. Na folha que adoptei como veículo começo a conhecer os lugares que sobrevoo, os telhados das casas, onde passo nas viagens e andanças, são pontos alaranjados, envolvidos pela cor verde das copas das árvores e da charneca. Uns estão mais unidos, outros mais afastados, as torres sineiras das igrejas das aldeias, parecem foguetões apontados ao céu. O homem sempre quis cá chegar acima, com devoção à religiosidade foi construindo, no decorrer dos tempos, templos onde se destacam as estruturas indiciadoras disso mesmo. No vale perco altitude, consigo vislumbrar as linhas de água que o cruzam, todoas apontam ao grande rio ibérico, nas estradas, nos caminhos, nas ruelas das aldeias, não se vê ninguém. Não sei onde vou pousar, não sei o fim da viagem.

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A chuva não para de cair, tem o mesmo efeito que a expressão «pôr água na fervura», atenua a vontade de voltar à rua para muita gente. O inverno não desiste de permanecer, as hortas com as suas culturas reconhecem a água abundante, a generosidade da natureza não tem limites. Fomos relegados para um plano secundário, atualmente são os intermediários da natureza os felizardos, continuam a existir como sempre, agora ultrapassando os limites impostos pelo homem, voltam aos territórios que já foram dos da sua espécie no passado. São espaços de betão, de breu, de hipocrisia, de inveja, de egoísmo, que se tornaram recetivos a outros seres vivos, sendo um deles o causador de tudo isto. Será ele um Robin dos Bosques, tira ao homem para dar ao ambiente em que vive o homem, é difícil de se ver a olho nu, só no microscópio se deixa observar. As nações dominantes temem-no, as outras lidam com ele evitando exposições públicas das suas populações. Temo no próximo verão não mergulhar nas águas do atlântico que lambe a nossa costa, temo não evidenciar-me perante o sol, relacionado com a areia, com uma boa história, nas manhãs e finais de tardes dos meses de calor. Temo não poder refrescar a garganta seca pela poeira dos meses frios, nas esplanadas amparadas à praia, dos passeios noturnos à beira mar. Tudo isto são partes que podiam ser lidas, numa história de hoje mas terão de ser  deixadas em branco para serem preenchidas posteriormente, numa história do amanhã. Esta que estamos a presenciar é ficcional, vem escrita na coleção Argonauta, uma das muitas que por lá estão. Será mais uma história que fará parte do nosso crescimento como pessoas, quero ter esperança que a tenhamos aprendido de uma vez por todas. 

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Nesta noite surpreendi a lua a espreitar, por detrás das nuvens, suponho eu, pois estava escuro como breu, não dava para distinguir coisa alguma no firmamento. Só os feixes dos candeeiros de iluminação pública assinalavam que ali, na outra margem do rio, estão aldeias, existem pessoas. Este domingo de Páscoa é pois muito diferente de todos os outros, com as igrejas encerradas aos fiéis e aos que esporadicamente as frequentam, hoje seria um dia desses, sem flores colhidas na semana que antecede a festa cristã, as ruas e os templos estão despidos de alegria. Os trajes a estrear, os que só são usados neste dia, ficam nas gavetas, nos roupeiros, esperarão mais um ano, trarão outra satisfação a quem os usar. Não há no ar odores a pão cozido nos fornos a lenha, odores a cabritos e borregos a inflamarem lentamente até as suas carnes se soltarem. Numa festa onde se reclama a ressurreição, a natureza aos meus ouvidos transforma-se com as diversas melodias das aves que em pleno acasalamento não param, novas flores brotam diariamente, cobrindo o território. O silêncio também se tornou audível, a quem não estava habituado a ouvi-lo, muitos não o suportam, para outros é companhia dominante desde sempre. Para mim, numa cidade do interior o silêncio foi quebrado pelos sinos das aldeias limítrofes a tocarem a aleluia, toques de alegria avisando a renovação de tempos diferentes.