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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

26 Mai, 2020

Pelo fio do tempo

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Um vento que não agoira nada de bom associado a uma temperatura assinalada na breve paragem, talvez descansando um pouco da subida abrupta logo de manhã, do mercúrio nos 25º do termómetro fixado na parede da cozinha. Esta intensidade não se fica por aqui, o mercúrio continuará a galgar vários patamares, chegando mesmo a ultrapassar os 30º e num último esforço se colar perto dos 35º. Continuo sem viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, apesar deste estado de letargia, não me canso das outras viagens que já fiz  na biblioteca ambulante, tendo por companhia, histórias. Muitas destas histórias, não regressam, ficam nas aldeias, sendo acarinhadas por leitores, alguns têm-nas dissuasoras da solidão a que estão abandonados. Quanto mais não seja, travam o isolamento, a inexistência de contactos com forasteiros, dialogar, abrindo página a página, descobrem gente diferente, com outros modos de vida. Encontram outros como eles, noutras latitudes, no norte no sul, ficam a conhecer os seus costumes, percebem que estamos todos unidos pelo fio do tempo que não tem fim.

 

 

 

Vou ali e já venho, foi assim que me desagarrei do “Desafio de escrita dos pássaros”, numa sexta feira, numa data que já não sei qual foi. Julgando que após a publicação nesse dia do texto, voltaria a receber seguidamente a dica para outro desafio, os dias foram passando, e as idas à caixa de correio não terminavam, sempre esperando a mensagem que nunca mais chegou. Isto do vou ali e já venho, ocasionou o esquecimento no desenvolvimento do texto que escrevo... É uma punição estas palavras redigidas, serem as últimas no “Desafio de escrita dos pássaros”, por nunca mais ter escrito algo. Agora que os pássaros se aventuram a sair do ninho, nos primeiros voos, muitos não chegam ao fim, ficam pelo caminho. No meu caso, bati as asas sem sair do lugar, agora no voo que poderá ser o da independência, questiono como irá ser? Vou ali e já venho, originou que me perdi no sentido que o texto seguia... Enquanto vou e venho, pelo meio não tenho deixado de conviver com personagens das histórias que vou lendo, umas mais amistosas que outras, uns fazem rir, alguns dão que pensar, e há os que ensinam. Tem sido assim nos últimos meses, alternando com o trabalho em casa, uma nova forma de estar profissionalmente. Vou ali e já venho é o que eu quero realizar com as viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. Ir ao encontro dos que estão longínquos, voltar e retornar outra vez noutra aldeia. Assim se passaram semanas, meses e anos no vou ali e já venho, é assim que quero terminar, porque sei que todos nós voltaremos a escrever noutro “Desafio de escrita dos pássaros”. Afinal o que tem sido a nossa existência desde que abrimos os olhos pela primeira vez, de constantes desafios. Até um dia, vou ali e já venho.

22 Mai, 2020

Perdi a liberdade

Perdi a liberdade

De caminhar e frequentar espaços públicos

Perdi a liberdade

De estar com a cara destapada

Perdi a liberdade

De realizar as viagens e andanças

Perdi a liberdade

De visitar as aldeias da minha terra

Perdi a liberdade

De dirigir a biblioteca ambulante

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Perdi a liberdade

De dar histórias de encantar

De dar histórias de sonhar

De dar histórias de chorar

Perdi a liberdade

De falar com gente com quem gosto de dialogar

Perdi a liberdade

De voar

De me realizar

Wook.pt - Os TestamentosSinopse

A obra-prima distópica de Margaret Atwood, A História de Uma Serva, tornou-se um clássico do nosso tempo cuja conclusão conhecemos nesta deslumbrante sequela.
Quinze anos depois de A História de Uma Serva, o regime teocrático da República de Gileade mantém-se no poder, mas há sinais de que está a começar a cair por dentro.
Neste momento crucial, os percursos de três mulheres radicalmente diferentes cruzam-se com resultados potencialmente explosivos. Duas cresceram em diferentes territórios, separadas por uma fronteira: uma, a filha privilegiada de um Comandante de alta patente, em Gileade, e a outra no Canadá, onde acompanha ativamente os horrores praticados pelo regime do país vizinho. Às vozes destas duas jovens, saídas da primeira geração que cresceu sob a nova ordem, junta-se a voz de uma terceira, uma mulher que é um dos carrascos do regime de Gileade, cujo poder se baseia nos segredos que foi reunindo sem escrúpulos e que usa de forma cruel.

São estes segredos, há muito enterrados, que irão aproximar estas três mulheres, forçando-as a aceitarem-se e a defenderem as suas convicções mais profundas.

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Mais umas viagens pelo espaço de um papel em branco, não pelas aldeias da minha terra, onde a observação e a presença trariam um testemunho atual da existência daqueles que privam com a biblioteca ambulante. No papel, tendo como veículo de transporte a caneta, e o entusiasmo  por me atrever a viajar em algo inviolado, conduzindo a caneta, sem ter a certeza que palavras tomar para chegar a frases com sentido. Que orientem sem ter que parar repentinamente, riscando, ou mesmo borrando a cor branca do papel.  Acelerando quando a indecisão sucumbe perante a linguagem escorreita, transferida pela tinta da caneta. Empregando o compêndio, sinais de pontuação, enfim uma panóplia de rabiscos para continuar até ao destino. Objetivo esse que demora transpor a folha de papel para o presente, é tempo de voltar a criar memórias, de viver, para nunca nos aborrecermos de não deixar invioláveis as folhas em branco.

 

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Outro dia a enganar o tempo, o que não acontece com o astro que se ergueu cheio de vigor no lugar do costume. Num tempo em que as cartas manuscritas são património da correspondência, onde os carteiros presentemente não esgotam o volume de encomendas que entregam. Sou testemunha pela observação diária de  viaturas dos CTT e das empresas de entregas, na rua onde habito, cá em casa também as recebemos. Fico com um sentimento de cobiça ao vê-las estacionadas de portas escancaradas, cheias até ao cimo de caixas, pacotes e sei lá mais o quê, por não poder estar a fazer o mesmo, dando histórias com a biblioteca ambulante pelas aldeias da minha terra. Receber as pessoas, sugerindo histórias, conversando disto e daquilo, por fim vão-se embora, nas mãos seguram livros, seguram sacos com livros. Levam no coração a confiança para voltarem, e eu trago a amizade e vontade de os voltar a reencontrar. Há demasiado tempo que tal não acontece, não sei quando voltará a acontecer, se uns fazem acontecer, porque não havemos de fazer todos um acontecimento.

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Andamos confusos, procedemos como a lagarta do bicho-da-seda, simultaneamente rastejamos e permanecemos protegidos no interior do casulo. Aguardamos que nos transformemos em borboletas, ganhamos asas, libertarmos o que nos prende, voamos, levantamos e viajamos  que a vida continua. Em seguida a borboleta deposita ovos e morre, nós recuperamos os momentos que deixamos para trás, com novas atitudes, e objetivos redobrados.

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O inverno não se esqueceu de nós, o dia de hoje é um exemplo disso mesmo, um retrocesso que não é mais que um aviso. Não andem por aí trajando roupa fresca, ao saírem de casa tragam um casaco, um blusão para se agasalharem se for caso disso. Não prolonguem o afrouxamento na defesa pessoal em relação ao organismo que por aí viaja sem se deixar ver. Estimulem os sentidos manuseando páginas de histórias nunca lidas,  que há bastante tempo se encontram nas prateleiras de estantes em casa. O motivo de lá estarem muitos não se lembrarão, oferecidas em aniversários, no Natal, continuam lá depositadas, esquecidas na poeira que se acumula. Sacudam as folhas, libertam outros organismos invisíveis, explorem a capa, a contracapa, agudizem a curiosidade verificando as badanas, conheçam o autor. Assegurem que a mente se defenda da notícia que não se cansa de anunciar, cujo o inverno.

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Primeiro nevoeiro, a seguir o sol, foi a vez da chuva, agora a trovoada, falta o vento e neve, a qual me lembro só assisti à sua queda por aqui  uma duas vezes, para completar estes fenómenos naturais. Nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, muitas vezes fui apanhado desprevenido por qualquer um deles, houve dias que a roupa que vestia era insuficiente para me proteger. Enfrentar o frio com agasalho primaveril, estorricar ao sol, acolhido em roupas que conservam o calor, ter que me molhar sem ter abrigo no guarda-chuva. Tantas foram as situações inesperadas causadas pelo tempo, e hoje na primeira parte do dia aconteceram umas atrás das outras, como se de um desfile se tratasse. Estes imprevistos da meteorologia para quem gosta de viajar, mesmo sendo esse o ofício do viajante das viagens e andanças, que o realiza apaixonadamente e com despreconceito, causam expetativa, e imprevisto ao longo dos itinerários. Quando as viagens e andanças retomarem a normalidade nas estradas, pelas aldeias da minha terra, a prudência será permanente, antecipando o prolongamento das histórias, nas mãos há muito ausentes, daqueles que nunca as esqueceram, acrescentando uma máscara em qualquer circunstância meteorológica.

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