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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

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O vento despertava a água, injuriada formava pequenas ondas que cruzavam a superfície esverdeada do rio, acabando por se despedaçarem umas nas outras e na margem. A temperatura era assim mascarada pelo ar em movimento. Quem estava exposto a estes elementos, não passava despercebido ao que acontecia no rio. Um indivíduo envergando um colete, calças, na cabeça um chapéu tradicional marroquino, óculos de sol no rosto não parava de se exibir em cima de uma pequena prancha, impulsionada por um motor eléctrico. De pé, encurvado ou mesmo de joelhos, não parava de se atravessar defronte a quem estava estendido nas toalhas a receber o sol. Em cima acompanhando este equilibrismo um drone pilotado por alguém na margem registava o exibicionista, o meu pensamento corria para que houvesse um deslize e tudo terminasse, quando o convencido se precipitasse nas águas cálidas. Não tive esse privilégio, ele demonstrava grande habilidade, com um comando numa das mãos, impunha velocidade ou forçava a prancha a elevar-se, tal e qual Aladino no tapete voador, afastava-se a grande velocidade, para retornar pouco depois. O que seria uma manhã de mergulhos, de barriga para cima atraindo os braços brilhantes do sol, lendo o jornal, continuando a nova aventura de Tomás Noronha, este personagem vindo não sei de onde modificou a rotina das manhãs de verão no rio.

 

 

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"A posição curvada até ao chão, os olhos postos na linha que desaparecia no caneiro do leito do rio, encoberto pelas ervas altas da margem, não muito distante do olival que termina no cimo do cabeço, junto dos muros que protegem a vila e o castelo. Assim estava o rapaz tentando pescar algum peixe para a ceia, as couves do jantar já foram há muito e souberam a pouco, sem ser visto por algum quadrilheiro que se desviasse das suas funções na passagem das barcas para se aliviar dos excessos do seu organismo. Ficaria sem a última refeição e ainda apanharia uma tareia que o deixaria cheio de derrames pelo corpo. A tarde ia a meio e o rapaz continuava compenetrado nas águas do rio e no que elas lhe poderiam facultar, quando subitamente chega aos seus ouvidos o som de várias vozes, hesitou em pôr-se numa posição diferente para observar melhor a origem de tanto ruído vindo da outra margem, em primeiro lugar estava a linha e o que nela pudesse ser aprisionado. Mas, o clamor oriundo de além Tejo, o som de disparos dos arcabuzes, demoveu o rapaz de seguir atentamente as águas, no rio, na margem sul, barcos a remos e à vela e uma escuna, esta última fortemente escoltada, aguardadas por um numeroso cortejo. Nesta altura já o rapaz se tinha esquecido da linha, do peixe e da ceia, avançava rapidamente correndo descalço pelo trilho traiçoeiro que ladeia o rio na sua margem direita na direção do pequeno cais, onde desembocava a rua que leva homens e mercadorias à vila, situada no outeiro, ouvindo desta vez o ruído destemido dos mosquetes. Dissimulado no meio da turba, nunca tinha visto nada assim, as embarcações aproximavam-se, a milícia concelhia mal continha a multidão impulsionada pela curiosidade. Os olhos do rapaz quase saltavam do seu lugar, quando um homem trajando ricas roupas, onde se destacava a coroa de ouro colocada na cabeça que lhe vangloriava a estrutura, se aproxima para montar um esbelto cavalo, animal este, bem mais alimentado que a população que aplaudia sem parar. O rapaz ouvia pela primeira vez o nome de Filipe. Entre os “vivas ao rei”, a bom som ouvia-se expressões de descontentamento por ser um rei estrangeiro, usurpador do trono de Portugal. Aí os olheiros não tinham ouvidos para tanta indecência proferida, mais difícil se tornava de espiar, ou até mesmo visualizar algum arremesso de objetos que pudessem magoar o visitante estrangeiro, atualmente rei de Portugal. As tropas que escoltavam o rei, imediatamente rodearam o cavalo, modificando qualquer possibilidade de violência. Foi assim que iniciaram o trajeto, ultrapassando o dístico PLUS ULTRA subindo a rua da Barca, localizada no interior do olival, levando atrás a multidão desvairada de sentimentos opostos, ao mesmo tempo atropelavam-se uns aos outros, cada vez que atiravam esmolas por ordem do rei Filipe II. Os caminheiros há muito que fizeram chegar a informação do desembarque do rei às autoridades da vila, que o esperava nervosamente na sede do município. O acolhimento ao rei teve honras de discursos de boas vindas e louvores e outras honrarias…"

Este e outros acontecimentos ocorreram nesta rua, outros reis em expedições de guerra, empreendimentos políticos, somente de permanência, ou mesmo fugir de epidemias em Lisboa para se instalarem nos ares mais saudáveis da vila, localizada no cabeço. Mais importante foi o facto de transitarem pessoas e bens desde sempre, Eduardo Campos, escreveu na Toponímia abrantina ser esta uma das ruas mais antigas de Abrantes. Vou acrescentar, com mais história, de pessoas, possivelmente por ela caminharam ou cavalgaram gente importante como Miguel de Cervantes, os arquitetos Fillipo Terzi e Juan de Herrera, até mesmo o engenheiro Juan-Bautista Antonelli na deslocação às Cortes de Tomar, fidalguia, duques e condes, de comércio, de objetivos militares, como refere o livro Abrantes, a vila e seu termo nos tempo dos Filipes (1580-1680) de Joaquim Candeias da Silva. O rio sempre foi uma via fluvial, a rua como o seu topónimo refere (Barca), foi sempre de grande utilidade no acesso à vila e posteriormente cidade. Ainda na Toponímia abrantina, a rua no ano de 1707 tinha 57 moradores fintados, com 12 mareantes, 1 alfaiate, 1 farinheira, 2 espadeiros, 1 sombreireiro, 4 almocreves, 1 hortelão, 1 carpinteiro, 3 carreteiros, 3 ferreiros, 1 sapateiro, 1 carvoeiro, 1 torneiro, 1 caldeireiro, 1 licenciado, 1 pescador, 1 barqueiro, 1 cortador, e 1 escrivão judicial. Portanto à altura uma rua com alguma população e variados ofícios. Mais recentemente, nos inícios dos anos 80 do século XX, a rua foi abruptamente separada para permitir novos acessos ao centro da cidade de Abrantes. Sendo alvo ainda com poucos anos de existência de uma requalificação nos troços que ficaram. Seria interessante voltar outra vez a ver a rua sem interrupção, unindo a mesma com uma passagem superior sobre estrada de vias descendente e ascendente de entrada e saída da cidade. Seria uma acessibilidade onde prevalecia o simbolismo, evocando a sua importância, a sua história, as pessoas, ricos e pobres que por ela transitaram dando fulgor e desenvolvimento à cidade no passado. Todos os que estiverem interessados em conhecer esta rua que no seu início possivelmente seria um carreiro, um caminho estreito feito pela contínua  passagem dos primeiros habitantes, pela necessidade de  pescarem nas águas do rio, na caça existente, pela frequência de caminhantes, de transitarem carros puxados por animais se transformou numa rua. Um passeio com início na margem do rio, subindo o declive, observando a envolvência ainda campestre, para terminar numa zona urbana que aos poucos se vai renovando com a recuperação de algumas casas para que as mesmas possam aguentar os próximos anos embelezando esta rua cheia de história. Ou então no sentido descendente, após a visita ao castelo, ao centro antigo, com as ruas estreitas, os largos, os cantos e recantos, terminando no rio Tejo onde a fauna e flora envolvem quem por aqui passa. Aconselho, logo pela manhã, onde o bulício natural não deixa ninguém indiferente.

 

 

 

 

 

 

 

Wook.pt - Livro de Vozes e Sombras

Sinopse

Cláudia Lourenço, jornalista, é enviada de Lisboa à ilha de São Miguel ao serviço do Quotidiano. Tem por missão entrevistar um conhecido ex--operacional da Frente de Libertação dos Açores e reaver a crónica do independentismo insular durante a Revolução. Depara-se-lhe um homem-mistério, voz e sombra do jogador, das suas verdades que mentem, das suas mentiras que dizem a verdade.

Ela, que pertence à geração seguinte, não parece ter memória histórica do país de então: vive no de agora, e o passado é um território longínquo, cuja narração flui no interior de um imaginário algo obscuro. A história da FLA (e a da FLAMA, na Madeira) comporta em si o país de todos os regressos: a Ditadura, o fim das guerras em África, a descolonização e o retorno à casa europeia pelos caminhos de volta, os mesmos que levaram as naus a perder-se nos mares da partida. O país que a si mesmo se descoloniza vibra na exaltação revolucionária. E é dos avanços e recuos dessa Revolução que nasce a tentação separatista do arquipélago.

Na longa e secreta entrevista ao homem da FLA, a jornalista vê-se enredada numa história de logros políticos, compadrios, interesses de propriedade, conluios estrangeiros e outros equívocos do movimento separatista, onde não há lugar para as vítimas da FLA, nem para o desamparo dos regressantes de África. Mas Cláudia Lourenço encontrará maneira de lhes dar voz.

 

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Gosto de ler, presentemente aprendi apreciar a escrever, descobrir palavras novas, a realidade do que estou a escrever é tanta que o dia ultrapassou outro, estou sentado na mesa olhando o monitor do computador, aplicado para não cometer erros ortográficos. O lugar onde componho está escuro, só a pequena luz de apoio cai no teclado, auxiliada pelo brilho da tela. As janelas estão abertas, deixando entrar o ar fresco e o ruído dos motores dos veículos, uns impacientes, outros mais tolerantes. O rio corre lá em baixo aproveitando o brilho da lua para se tornar visível, para alguém escrever nas suas águas, afogar os pensamentos. Regressando ao início do texto, à leitura e escrita, desde muito cedo me enamorei pela literatura policial, uma escrita mais periférica,  mas foi através da mesma que se revelaram escritores, os seus textos foram berços para os mais variados filmes, uns mais literatos que outros. Raymond Chandler, descendente de irlandeses, Agathha Christie, através da leitura de Charles Dickens e de Jane Austen, se transformou numa escritora notabilizada, Georges Simenon, com o seu invulgar inspetor Maigret. Mais recentemente Patricia Highsmith, iniciou a carreira escrevendo roteiros, James Ellroy, cuja mãe foi vítima de assassínio, tendo um crescimento atribulado no mundo do álcool e drogas. Outros ainda com pouco tempo de existência no mundo literário, são escandinavos, os seus romances originaram séries de TV e filmes, criando expectativa a quem os lê por novas histórias. Com estes e muitos outros, conheci territórios, cidades, usos e costumes locais. Foram importantes, uma linha de partida para outras leituras, descobrir autores novos, géneros diferentes, aprendi a gostar de ler. A escrita surgiu há pouco tempo, um processo difícil, e motivante ao mesmo tempo, um desafio à capacidade criativa. O caminho não é fácil, há momentos em que o efeito de escrever é incapaz de progredir, noutros não se consegue esgotar.

Wook.pt - A Liberdade é uma Luta Constante

Sinopse

Nesta selecção de ensaios, entrevistas e discursos recentes, a célebre activista e académica Angela Davis lança uma nova luz sobre as lutas contra a violência de Estado e a opressão em vários pontos do mundo - da Palestina à África do Sul -, desmontando as estruturas do sistema capitalista (patriarcado, supremacia branca, políticas imperiais) que apenas sobrevivem perpetuando conflitos.

Reflexão sobre os combates históricos do movimento negro nos Estados Unidos, o lugar central do feminismo na desconstrução das relações de poder e a abolição do sistema prisional industrial, A Liberdade é uma Luta Constante (2015) obriga-nos a olhar para lá do nosso quintal, para os reservatórios de esperança e optimismo que encontramos nas colectividades resistentes.

Quando dar tréguas à injustiça é multiplicar formas de submissão, Angela Davis desafia-nos a dar o exemplo, fazendo a nossa parte por um movimento global de libertação humana.

Antígona, junho de 2020 

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Já perdi a contagem ao número de livros, para ser verdadeiro nunca os contei, foi só um método mais pretensioso de iniciar o texto. Mas foram muitos os livros que passaram sob o olhar atento dos olhos e pela segurança destas mãos e dedos desenvoltos a folhear as suas páginas e que escrevem este texto,  lá isso foram. Livros grandes, livros pequenos, espessos e delgados. Alguns com as folhas amarelas de tanto tempo guardados nos depósitos, esperando a oportunidade de voltarem a serem úteis. Histórias reais, histórias de ficção, cheias de alegria, cheias de tristeza, outras de ensinar, de ajudar. Escritores esquecidos, falecidos e vivos. Letras e frases que não têm fim, não consigo imaginar a quantidade de tinta utilizada na escrita, na impressão. Nos esboços, rasurar, reescrever, quanto papel, horas de reflexão, de meditação, ordenando ideias, viagens em busca de enredos aos mais variados lugares. Continentes, países, cidades, aldeias, ou mesmo até a outras histórias, nas bibliotecas nos arquivos, na web. Quem os teria lido, que terão aprendido ao lerem as letras imprimidas nas suas páginas, histórias de outro tempo, histórias do presente, histórias de um tempo que está por vir. Na rua o vento tem rasgos de violência, murmúrios dispersos de um período estranho e que jamais será esquecido. As histórias são testemunhas de um tempo virado do avesso para que no futuro quem viajar na terra das palavras saber qual o melhor rumo para si.

 

 

 

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Outro mês se ultrapassou sem histórias nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. Todos os dias me questiono, será hoje, será amanhã, será para a semana, assim passam os dias as semanas e os meses. Não obtenho respostas, não as cedem, como estarão os leitores que têm consigo histórias impedidas nas suas casas de continuarem as viagens por outras aldeias, de permanecerem noutras casas, sucederem noutras mãos, curiosas de folhearem páginas cada vez mais amarelas, motivadas pela ausência de certezas. Hoje,  especialmente é um dia encorajador para se reflectir para quando as histórias voltam a fazer acontecer.