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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

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O vento assobia, as copas do arvoredo não se cansam de bailar. Está frio, no interior das terras as sementes germinam, precisam de água, a pouca que resta evapora-se com a aragem que se faz sentir. Uma mulher debruçada para a terra, com movimentos bruscos e cadenciados, colhe erva para os coelhos, estruma-se terra de cultivo, cava-se aqui, cava-se ali, cava-se além, uma manhã de viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. Na biblioteca ambulante vejo grande harmonia entre o homem e a terra, esta conciliação já foi mais numerosa, presentemente são poucos os que se entendem assim com a terra. A maquinaria expulsou muitos deste trabalho realizado desde sempre com as mãos, auxiliadas por alfaias agrícolas. Foram para longe, rumaram às grandes cidades na década de setenta, tornaram-se pedreiros, serventes, ingressaram noutras profissões necessárias à urgência de fazer crescer ainda mais essas cidades. Só as histórias não se cansam destes lugares simples, agora remotos para quem nasceu e cresceu aqui. Coalhos,13 de março de 2017.

 

 

 
 
 

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Grandes actores são o inverno e a primavera, há dias atrás, o inverno vestia-se na personagem da primavera, hoje é a primavera a vestir-se no personagem do inverno. Esta troca de papéis é cada vez mais frequente.
As viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, trouxeram-me à aldeia de Vale Zebrinho, pelas narinas entram e concentram-se odores a terra molhada, a chuva nem de longe, nem de perto, se destaca, dão-me uma sensação de liberdade, felicidade de estar encurralado pela natureza, onde as árvores são rainhas. O ciciar do vento acompanha-me enquanto me demoro na aldeia, as suas palavras imperceptíveis contrastam com as outras, de outra rainha que normalmente viajam comigo, a poesia, para quem quiser tocar, folhear, os livros onde perdura, corra até à biblioteca ambulante, para a ler, declamar, cantar, para si, para todos que quiserem ouvir!
Vale Zebrinho, 21 de março de 2017
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

 
 
 
 
 
 

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Hoje a manhã voltou a sorrir, o vento suave que me tocava no rosto enquanto caminhava  na direcção da maior via fluvial que atravessa a meio a ponta da península, activou os músculos que teimavam obedecer ao ritmo que queria impor. No rio não se viam os patos do costume, a serenidade das suas águas absorvem os escassos raios do sol que mergulham amedrontados. Além deste que escreve, um casal e um outro que me causa espanto a sua rapidez e a distância que percorre sem se esgotar a esta hora matinal. Ocasionalmente ou consoante o horário outros também gostam de percorrer a margem do rio, vagarosos, mais apressados, andamos por prazer, enchemos os pulmões de ar, os ouvidos de melodias provenientes da passarada, e os olhos de cores vivas. O melhor momento sem dúvida para se poder andar ao ar livre, mais logo não se aguenta a autoridade que o astro possui, só de olhar cega a vista, sentir a sua energia desfalece qualquer um. Um privilégio que tenho ao estar em casa em teletrabalho é não ter de o suportar nestas tardes de verão, embora as histórias me façam distrair, ignorando-o muitas vezes.

12 Ago, 2020

Convida a escrever

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O sol está oculto por espessas nuvens que ameaçam queda de água, a manhã assim convida a escrever. Foi nesta frescura abençoada por quem tem superioridade de gerir a existência de tudo, que saí para beber um café, transportar a minha cara metade ao trabalho e ter tempo de observar um veículo de recolha do lixo a  retirar desperdícios domésticos numa altura despropositada para o efeito. Enquanto aguardava pela abertura dos CTT, fiquei perplexo, como não é possível este serviço à comunidade, ser realizado a horas onde não crie problemas para quem transita e quer estacionar as viaturas para ir trabalhar. Acredito que para quem esbarra com esta situação o seu estado ficará prestes a arrebentar de ansiosidade e sei lá mais o quê, chegar antepadamente, colocar o seu carro no lugar demarcado, ir beber o café habitual ou mesmo aconchegar o estômago com a primeira refeição do dia, não fique incapaz de uma qualquer atitude menos própria. Com o decorrer dos anos criamos automatismos dos quais é difícil desabituar-nos e quando se nos depara algo inesperado que impeça o comportamento regular, transformará o curso natural das coisas num dia irritante. O lixo e outros esbanjamentos, heróis desta crónica, ajustados por quem administra terão certamente à semelhança do restante o seu horário regularizado.

07 Ago, 2020

Escrevem sobre tudo

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Ando há dois ou mais dias de volta de um texto, ora avanço, ora delete,  na escrita digital, assim sucessivamente quando me sento defronte do monitor. Está complicado, a ideia do que tenho não se desenvolve como pretendo. Ainda por cima não me canso de ler textos e artigos de opinião diariamente escritos por uns e umas, quase sempre os mesmos escrevinhadores. Fico abespinhado, escrevem sobre tudo, política, desporto, saúde, sociedade e sei lá mais o quê, desgastando as articulações dos dedos e esgotando rios de tinta. Não têm mais nada para fazer, não trabalham ou será que escrevem nas pausas do mesmo ou a ocupação que lhes dá sustento pode esperar. Aqui em casa no meu teletrabalho sem fim à vista, para descansar o olhar do monitor me dirijo à varanda observar o rio, uma terapia eficaz, ao pôr só o rosto no exterior volto logo a fechar a porta, o calor é insuportável no interior do país. Experimentem passar por cá, não venham como os outros,  que só nos visitam para olhar os rostos daqueles que experienciam os incêndios ano após ano, e vêm os seus territórios serem dizimados. Sim, sei que alguns também escrevem sobre o que acabei de escrever, ainda bem. Falta saber para  quando a escrita for sobre a floresta renovada, e reorganizada. Prosseguindo com aqueles que escrevem sempre, sobre tudo,  donde lhes virá tanto conhecimento, a sua inteligência é fora do comum, andam sempre ao redor dos livros para obter tanto conhecimento, às tantas não dormem. E eu aqui puxando pela mente o assunto que me impulsionará, mas o problema no motor de arranque faz com que muito lentamente a escrita avance.

Na varanda, onde muitas vezes repouso o olhar, começo a distinguir para além do rio, ao longe, a aldeia  de Arreciadas, repentinamente uma vaga de memórias alcança a minha ausência do momento. No pequeno banco sentado, o João e um saco cheio de histórias pousado no chão, aguarda a chegada da biblioteca ambulante. Agora que as histórias se afastaram, continuará o João nos dias assinalados estar de olhar atento lá em cima onde a estrada desemboca no princípio da aldeia, espreitando a carrinha de cor branca, vestida de riscas coloridas, que nunca mais regressa. Dali o meu olhar atinge mais próximo, o lugar de Coalhos que já foi local de permanência das histórias, mas que a fraqueza e a insensibilidade afastaram ( tenho esperança que as histórias regressem outra vez). Um pouco mais adiante a aldeia do Pego, onde para além da privação da biblioteca ambulante,  as festas anuais ficaram sem efeito este verão. Evento de reuniões de memórias, de saudades, de alegrias e tristezas, as histórias também geram e partilham esses sentimentos, a quem escreve, a quem lê, a quem se descobre à roda e no interior da biblioteca ambulante nas diversas aldeias. Inclinado ainda consigo avistar algum casario da aldeia de Mouriscas, a terminar próximo da estação de caminho de ferro, na outra margem do rio Tejo. São cento e oitenta graus que a vista alcança de lembranças, de saudades, de viagens e andanças, das aldeias e das suas gentes.

03 Ago, 2020

Voltar outra vez

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Estou a escrever sem saber que palavras surgirão do meu raciocínio. É uma autêntica aventura escrever por linhas ainda por explorar após tanto tempo sem teclar, sem inspiração, sem motivo que me aguçasse a vontade de voltar à caligrafia. Penetro no espaço em branco, receoso, sem saber bem que letras pressionar pela ação dos dedos. Foi muito tempo, não sei, amanhã, noutro dia, voltarei a ter disposição para continuar a escrever? Este tempo desconhecido em que vivemos, não prevê e faz-nos desconfiar do futuro, assim estou, ouvindo os múrmurios do vento. São queixumes que vêem não sei de onde, são gritos silenciosos que se transformaram em apelos ruídosos, pela inação, pelo esquecimento contínuo, lembrado só nas desgraças. Assim estou, com vontade de não fazer nada, de voltar outra vez à monotonia do novo tempo.