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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

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O dia chegou cerrado nas primeiras horas, na aldeia do Tubaral o céu azul poderá trazer leitores à biblioteca ambulante, as mesmas mulheres, sentadas, vigiam a vinda da padeira. No lado oposto estão as histórias, cuidam de maneira atenciosa quem as levar, a padeira aproxima-se a buzinar, causando um som penetrante, a canzoada agita-se, não param de ladrar, os diálogos ficam imperceptíveis. As mulheres levantam-se, vão na direcção da carrinha que traz o alimento. A biblioteca ambulante não tem a influência da outra, mas alcança os interessados. Para que as histórias sejam aceites nas aldeias, o viajante das viagens e andanças, tem que comer o pão que o diabo amassou. 

 

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Em frente da Escola Básica António Torrado, a biblioteca ambulante aberta de par em par, na entrada os pais aguardam pelos filhos, algumas crianças brincam nos espaços reservados ao divertimento. Guiados pelas mãos dos progenitores afastam-se, ignoram a biblioteca ambulante, estes pais e mães, não têm sensibilidade para a leitura, não indicam as histórias aos filhos. Também eles não foram acostumados a segurarem histórias, objecto estranho este o livro, quem diria. A bola no recreio não descansa, de um lado para o outro, empurrada pelo pontapé de cada criança. De chapéu na cabeça correm na direcção da bola, atrás uns dos outros, chuta para ali, uma finta agora, olhos postos na bola, não param. E as histórias tão perto, vou vociferar, que tenho uma bola na biblioteca ambulante, que a minha é melhor que a deles. Jogamos à bola no meio das histórias, quem arriscar, leva uma para casa. 

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Sob a sombra de um plátano a biblioteca ambulante em Alferrarede espera por leitores principiantes na modalidade itinerante. Distanciadas as pessoas olham e continuam passo a passo, seguindo o destino sem se deterem nas histórias. A tranquilidade do viajante das viagens e andanças não se esgota, sabe que de um momento para o outro tudo se altera. A confiança que as histórias ainda demovem aqueles mais desconfiados nas palavras escritas, não enfraquece, pelo contrário, algo de bom acontecerá. 

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Coloquei os jornais e revistas na mesa do café, falei em voz alta, de que se podiam servir da leitura durante a permanência da biblioteca ambulante, estacionada no exterior. Agradeceram, saí, o engodo estava lançado, agora será a paciência a prevalecer. Também é assim na pesca, até que o peixe morda a isca, não é imediato, há luta, solta-se linha, enrola-se, depois de alguma disputa e movido pelo cansaço, o peixe deixa-se agarrar pelas mãos do pescador. Na leitura o processo pode durar dias e nem sempre o viajante das viagens e andanças consegue atrair leitores, perdura a insistência perante a ausência daqueles que não têm hábitos ou gosto de ler. 

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Sempre a acelerar, na estrada e nas respostas aos leitores que se aproximam, acompanhando o progresso das viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. A biblioteca ambulante, uma estradista com alguns anos na promoção da leitura, continua a deixar nos lugares e nas pessoas, surpresa e admiração. Uma atracção sem igual, um rasto que provoca curiosidade, vontade de explorar a área nuclear, onde está o acesso à leitura, daqui em diante, tudo pode acontecer. É sempre uma incógnita, boas surpresas, desenganos, aprendizagem. O mais importante é a confiança e amizade criada pelas consecutivas itinerâncias. 

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As nuvens sobrevoam lentamente a aldeia do Pego, mais apressadas andam as cegonhas, vagaroso está o leitor, explorando as histórias. Retira dali, coloca ali em baixo, retira d'além, está com vontade de levar a história, os olhos percorrem páginas folheando ao acaso. O olhar continua indeciso, fecha a brochura, volta-se e diz! - Levo este! Um exemplo entre muitos dos vários aspectos de leitores que frequentam a biblioteca. Os que conhecem, e retiram imediatamente, os que não têm opinião formada, os que ambicionam encontrar a história que não existe no momento. São eles que movem a biblioteca ambulante, os construtores dos itinerários, os personagens e inspiração das histórias à beira rio. 

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Sem pudor a biblioteca ambulante estaciona perto do café. Abre as portas desafiando quem está na esplanada, a troca de olhares é incontestável entre eles, as histórias estão alicerçadas, agora é preciso consolidar as pessoas que olham desconfiadas, e oferecem resistência à leitura. Não é só aquí, noutras aldeias também acontece, e há as que têm leitores, gente curiosa que se acerca das histórias. Suportar a ausência de leitores faz parte da tarefa de levar histórias, de fazer acontecer. 

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Chove na aldeia do Pego, não é uma precipitação agressiva, a água cai suavemente, pontilhando o vidro da biblioteca ambulante. Unindo-os que desenho despontaria, mas tal não irá acontecer, pois a quantidade de água lançada para baixo aumentou, modificando a tela de vidro em várias carreiras de água. Parece que rebentou algo lá para cima, não pára de chover, com o avançar da manhã manifesta-se mais abundante. O pior já lá vai, a escola abriu as portas, as crianças correm, gritam, estão felizes no recreio. As histórias logo aqui defronte não geram curiosidade, não é a primeira vez que se mantêm no espaço onde existe um fontanário. Nem tudo é menos bom, há pouco tempo aproximaram-se dois pegachos, tendo um deles solicitado uma história. Em relação à escola será o viajante das viagens e andanças a influenciar, para que a diversão possa ser partilhada com as histórias. 

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