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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

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Na aldeia da Barrada, o café Areias tem a porta aberta, o pequeno largo, não é mais, uma encruzilhada de caminhos, só a biblioteca ambulante permanece. O sol está implacável, não preocupa o viajante das viagens e andanças, o importante é estar presente na aldeia, não perder o contacto com os leitores. Foi muito tempo de ausência, fomos vítimas do tempo, disse a Maria da Conceição. Veio devolver as histórias, religiosamente colocadas num local seguro da sua casa. Não quis agrupar com as que trouxe de outra residência. Foi afetuosa com as histórias da biblioteca ambulante, são essenciais para os leitores das aldeias da minha terra. 

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Foi a correr contra o tempo que a biblioteca terminou a manhã na aldeia da Carreira do Mato, com leitores a telefonar uns aos outros dando a boa nova. O regresso das histórias à aldeia. A chuva ocupou a tarde no Vale Zebrinha, não se vê ninguém, a próxima aldeia será Arreciadas. Uma mulher caminhando ao longo da estrada, segura numa das mãos um pequeno ramalhete de flores silvestres, foi quando me ocorreu que estavamos na Quinta-feira da Ascenção, ou dia da Espiga, como é mais divulgada. Quase a telefonar ao João, um ruído de passos arrastando-se lentamente, aproxima-se, chega o João com um saco farto de histórias. Aparenta ter sido ontem e não há mais de um ano que o deixei, as queixas sobre a sua existência continuam actuais. 

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O caminho vai ter a um lugar novo, a biblioteca ambulante estaciona, uma situação inesperada para quem bebe o café na esplanada do café. Os diálogos focam as histórias, vozes aqui, acolá, olhares desconfiados rodeiam a biblioteca ambulante. Gerou-se uma actividade desordenada propícia a leitores novos, fico orgulhoso por as histórias impressionarem as gentes de Alferrarede Velha. Cada vez mais pessoas entram no café sem antes olharem de soslaio a carrinha de porta aberta cheia de livros. A satisfação extrema aconteceu com a aceitação de uma nova leitora. 

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O início dos dias nas aldeias, tem sido a telefonar aos leitores, informar que a biblioteca está na aldeia, há lugares em que a informação corre oralmente, as histórias dão nas vistas, não é comum escritores, poetas, actores, músicos, frequentarem aldeias e sítios esquecidos de todos nós. Na aldeia da Amoreira após o contacto telefónico, um, dois, leitores surgiram com histórias para devolver, na rua, no interior do carro, com a mão levantada, para o viajante das viagens e andanças aguardar um pouco mais. Daqui em diante a normalidade instala-se, o hábito da leitura preencherá todos eles, depois virão os que querem ser leitores, viajar nas histórias, andar por aí a comentar o que leram. 

12 Mai, 2021

Finalmente....

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Observo a manhã, um fecho ecler não faria melhor, abre e fecha, assim está o dia no seu primeiro período, nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. O jogo das escondidas entre o sol e as nuvens, não é só isso, o jogo ontem do SCP foi igual a muitos outros nos últimos anos. A jogar escondido com o título de campeão. Finalmente essa alegria, a minha e de leitores da biblioteca ambulante. Fui congratulado, felicitei, na estrada, umas quantas casas, ostentavam a bandeira verde e branca com o leão ao centro orgulhoso. 

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No largo do coreto em Alvega, as andorinhas voam próximo do chão, na sabedoria popular revelam que poderá chover. Embora as nuvens gordas e cinzentas continuem a sobrevoar biblioteca ambulante, o sol continua soberano. O viajante das viagens e andanças que o diga, quando os raios solares o atingem sem piedade. O largo continua o mesmo, quem o frequenta não está diferente, os mesmos hábitos, a indiferença às histórias permanece. O contrário não se altera, a teimosia de quem quer fazer acontecer com as histórias não tem limite, há dias que os encontros são uma vitória, valem pelo insucesso. 

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A carrinha da padeira prestava os últimos serviços quando a biblioteca ambulante estacionava na aldeia do Tubaral. As mesmas mulheres, as do outro tempo, continuam sentadas segurando os sacos com o pão fresco. De um lado para o outro, um rafeiro farejava, um pouco de pão convinha, mas não para os dentes do cão. A padeira seguiu outro destino, ficaram as mulheres, pouco depois desamarraram os mexericos,  uma a uma foram aos seus desígnios. Foi com surpresa que o viajante das viagens e andanças viu uma a dirigir-se na direcção da biblioteca ambulante. Após uma curta conversa foi convidada a entrar, olhou as histórias, as de antigamente eram boas. Aliciei-a com uma contemporânea, assentou o seu nome como leitora e lá foi para casa com a história, e o saco do pão. O cão nunca a deixou de a acompanhar. 

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Pela primeira vez a biblioteca ambulante explora o interior do limite urbano. Encosta da Barata, uma parte da cidade, essencialmente habitada por uma população originária das aldeias onde as histórias já são família. A existência de comércio imprescindível, cafés e escolas oferece independência ao local. Não é suficiente, não há oportunidade de conhecer, viajar, aprender nos livros. A biblioteca ambulante, faculta assim o ensejo aqueles que queiram seguir o caminho das letras, acelerando nas frases, subindo e descendo nas folhas das histórias, com atenção à pontuação.