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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

29 Jun, 2021

A permanência...

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O tempo fresco mantém-se nas viagens e andanças com letras, na aldeia de S. Facundo o bulício matinal dos aldeões nos afazeres profissionais e domésticos é de tal  empenho que a biblioteca ambulante escapa às suas vistas. Nestas primeiras horas do dia nas aldeias, as suas gentes transformam-se aos olhos do viajante das viagens e andanças, são comunidades com escassa população, mas quando se libertam por motivos diversos tornam os lugares alegres e robustos. Na verdade, não é bem assim, é apenas o sentimento de quem permanece pouco tempo, ou quem desconhece as maleitas sociais. Nestes pequenos centros a biblioteca ambulante destaca-se, uns a curiosidade por estar abastada de histórias, noutros (poucos) a leitura, outros a presença, indícios de algo para acontecer (nunca acontece).  A permanência em lugares isolados, para alguns são momentos de segurança, sem saberem que ali tão próximo está um universo de fazer sonhar. 

 

28 Jun, 2021

Uma sucessão....

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Corre uma aragem que estimula as pessoas, surgem na biblioteca ambulante sorridentes, determinados a pesquisar em histórias que os transportarão em viagens intermináveis, aventuras de encher a barriga, de gastronomias diversas, paladares e odores que os deixarão ocupados de curiosidade enquanto não provarem. Na boleia da brisa as viagens e andanças continuaram, no período da tarde houve surpresa, a inclusão de um novo leitor, foi um imprevisto saudável na aldeia do Vale Zebrinho. Há muito que não acontecia algo assim, um leitor aqui. Mais uma semente, apetite literário diferente, histórias novas nas estantes. Uma sucessão de vantagens para a biblioteca ambulante, outros privilégios para os leitores. 

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A temperatura (42°) no interior da biblioteca ambulante não demove o viajante das viagens andanças de perder a confiança da presença de leitores na aldeia da Amoreira. No pequeno largo, onde as histórias ocupam a quase totalidade do espaço, lugar de acontecimentos, não há gente. Escondidos da violência do sol, resguardam-se na frescura das suas casas, só o João arriscou, trouxe histórias lidas, ainda por ler. Prolongou leituras e levou outras. 

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Só o chilrear dos pássaros se destaca no largo do coreto, enquanto um homem deambula, numa das mãos segura uma garrafa de cerveja, coloca-a na boca, alternadamente com o cigarro que a outra prende entre os dedos. Não se vê mais ninguém, espaçadamente um automóvel transita lentamente circundando o largo. Do interior os olhares apontam a biblioteca ambulante, de portas abertas convidado a entrar quem não tem ousadia ou curiosidade de tocar nas histórias. O calor não tem vergonha, reclama o direito por  ser dele a estação. 

21 Jun, 2021

Uma benção...

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Regressar à estrada, tornar a esvaziar o tinteiro da caneta nas "Histórias à beira rio", retomar engrenagens nas viagens e andanças com letras, atravessar e permanecer nas aldeias, falar com as pessoas. Foi o que aconteceu hoje no primeiro dia de verão, apesar da visita da chuva de manhã na aldeia do Souto. Uma benção para o viajante das viagens e andanças, podia estar sempre assim, a levar histórias, implicado nesta temperatura amena. Na Atalaia o quotidiano não se alterou, no largo o padeiro vende o pão, à sua chegada ouço portões a bater, vozes apressadas, as panelas estão no fogão, a inércia é assim quebrada nesta rotina. Com a biblioteca ambulante não são muitas as vozes, sem pressa, pausadamente questionam, observam, procuram histórias que as removam deste tempo controverso. 

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A tarde suplantou a manhã, agora na aldeia do Carvalhal com enormes nuvens no horizonte anunciando trovoada a aproximar-se, a biblioteca ambulante permanece numa das partes extremas da aldeia. A esplanada do café concentra algumas pessoas, todas têm máscaras no queixo, um acessório que veio para ficar. Para estes, as histórias são olhadas com indiferença, possivelmente têm nas suas casas, estantes a soçobrar com o peso destas. Muitas, ou talvez todas por folhear, por cheirar a tinta que imprimiu as letras, as gravuras. Grandes volumes, colecções das Selecções do Reader's Digest, do Círculo de Leitores. Obras que ajudam na decoração dos espaços mais amplos, projectando os habitantes a uma intelectualidade acima da média aos restantes da sua aldeia. Quase sempre me confidenciam que têm livros nas suas casas, não têm tempo para ler, reformados a cuidar das hortas, a deambular pelos cafés, têm todo o tempo ocupado. Não é a primeira nem será a última vez que confessam ao viajante das viagens e andanças. A próxima semana será de férias. 

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A viagem para a Aldeia do Mato decorreu enrolada na frescura matinal. O sol sem coragem para se sobrepor à camada de nuvens, que teimosamente pairam sobre este pedaço de terra. Na fonte junto do Kayak Bar, o ambiente sossegado promove a leitura dos jornais que a biblioteca ambulante disponibiliza. Foi o que fez um cliente, sentado numa das poucas mesas, no exterior do estabelecimento. Vê-se mais pessoas na rua, com toalhas de praia penduradas no ombro, entram no bar, saem com garrafas de água, vão quase todos no sentido da praia fluvial. Um braço do Rio Zêzere beija demoradamente a aldeia, nos meses de calor, muitas das férias dos filhos da terra são passadas aqui, os outros não se cansam de atravessar a aldeia de uma ponta a outra, nos automóveis repletos de banhistas ocasionais, ou puxando embarcações até ao limite da terra. Um vai-vem de histórias com histórias a testemunhar. 

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O quotidiano nas aldeias está a voltar à normalidade, isto é, se alguma vez houve anormalidade. Todos os dias, a começar no regresso da biblioteca ambulante às aldeias da minha terra, observo, a excepção são as máscaras a tapar o queixo dos aldeões que andam nas poucas ruas das suas terras. Embora haja outra aproximação e maneiras de agir como sempre houve, o exemplo de hoje na aldeia do Vale das Mós, onde a pequenada entrou e provou a leitura das histórias. Dedos com alguma dificuldade em folhear as páginas ainda enormes para as suas mãos. A biblioteca ambulante continua a ser o principio de futuros leitores, continuando o trabalho de outras no passado. O exemplo do José Diniz, patrono desta que conduzo, o seu nome enraizado, desperta memórias naqueles que iniciaram a leitura com a presença da Biblioteca Itinerante da Calouste Gulbenkien nas suas aldeias. Um deles foi José Luis Peixoto, hoje um escritor consagrado.

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