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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

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Estão na esplanada do café do Vicente, não consigo ouvir o que falam, não tenho superioridade auditiva para isso. A biblioteca ambulante não está longe, avisto-os, avistam-me, a curiosidade não os estimula a aproximarem-se das histórias, será a leitura enfadonha? saberão ler? Uma e outra não são motivo para negligenciar o oferecimento da biblioteca ambulante. Pela aparência cresceram num tempo onde os livros eram substituídos pelo trabalho no campo. A escola foi a necessária, outros nem isso mereceram. Estão totalmente desacostumados das letras, do quanto é airoso uni-las dando aso à imaginação a construir textos. Desusados de os lerem, o manuseio das brochuras torna-se difícil nas suas mãos rudes. Há momentos em que o viajante das viagens e andanças se consome em inúmeras questões,  já não sabe o número de viagens pelas aldeias da sua terra que realizou, e continua a saber a pouco os que se submetem à leitura e a tudo o que deriva da escrita. 

31 Ago, 2021

Um bom leitor

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Sabe bem permanecer na aldeia do Vale de Açor, o ar fresco entra e sai na biblioteca ambulante, o Gregório fez o mesmo, não há muito tempo. Trouxe a história lida, levou outra, é sempre assim, homem de poucas falas, diversas palavras são sacadas por interrogações. Diálogos curtos, despachados, não mais que isso, a leitura não sei, presença assídua desde o início das viagens e andanças, um bom leitor. 

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As fotografias biográficas do Antonio Botto oscilam, penduradas nas guitas que atravessam o interior da biblioteca ambulante, aparentam terem vida própria. Não mencionam, a sua apresentação aos aldeões está por um fio, tal e qual como elas estão aos olhos de quem as queira descobrir. Autor desconhecido na maioria das aldeias da minha terra, foi nas viagens e andanças que se deu a conhecer, onde nasceu, o percurso literário, o fim trágico da sua existência no  Rio de Janeiro. Os mais curiosos, atentos à permanência das histórias nas suas aldeias, questionaram o personagem, patrono da Biblioteca Biblioteca Municipal de Abrantes. Foi com entusiasmo que o viajante das viagens e andanças retribuiu o que sabe  deste autor nascido na aldeia da Concavada. Na  Barrada, uma avó e o neto de visita à sua casa, souberam quem foi o poeta e escritor, amigo de Fernando Pessoa. Obrigado Antonio Botto. 

27 Ago, 2021

As raízes...

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A terras da charneca apresentam gretas, o vento não se aborrece por estas paragens, a cor castanha predomina no terreno árido. Tem sido assim nas últimas semanas, os hábitos de leitura pelas aldeias da minha terra secaram, excepcionalmente surgem parcelas férteis, poucas, mas determinadas a não perder a prática da leitura. As raízes destes lugares continuam a causar leitores, na sombra das árvores mais velhas, as plantas lenhosas ainda tenras crescem protegidas da ausência da água. 

26 Ago, 2021

Só um gato...

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O café no pequeno largo onde tudo acontece, inclusive local de estacionamento da biblioteca ambulante, está encerrado. As férias de alguns habitantes da aldeia da Amoreira ainda decorrem, com isto o núcleo está vazado de gente. Só um gato se atreveu a espreitar, um enigma a tarde de hoje na aldeia, uma coisa puxa a outra, sem o princípio da corrente, não sei se a extremidade terá sucesso. Os diversos diálogos, junto da porta do estabelecimento ao mesmo tempo que consomem cigarros, o som da máquina do café, automóveis a largar gente, as saudações de quem não se avistou, são ausências significativas no quotidiano da aldeia. Insuficiência de leitores para as histórias que não têm descanso, sempre dispostas, até para os que interrompem as actividades profissionais. 

24 Ago, 2021

Um impulso...

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O calor persegue a biblioteca ambulante, as histórias transpiram nas estantes, umas mais apertadas que outras, continuam inquietas, anseiam que as leiam. Nesta tarde não está fácil, a temperatura elevada demove os leitores de saírem de suas casas. Compreendo-os, mas a leitura não é geradora de sentimentos? Um impulso ligeiramente fresco numa tarde de verão, ou ligeiramente quente numa tarde no inverno, que com a continuação farão apagar da memória o fogo ou o gelo que estão no exterior. Numa comparação o viajante das viagens e andanças aguenta os fenômenos, não querendo com isso que o pressupunham um mártir. É o seu trabalho (o melhor que há), levar e dar histórias, propagar as letras, os autores, a fantasia, a aventura, a realidade, ao fim e ao cabo a vida. 

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As palavras dissimuladas pela máscara chegam empurradas pela corrente de ar, esquecida do que a rodeava, ali estava. Um som confuso encheu a biblioteca ambulante, lá fora, o ruído dos motores dos automóveis não se esgota, para cima, para baixo. A praia fluvial ao fundo da ladeira, sem dúvida está à pinha, há muito que não via nada assim. No interior das viaturas sobrelotadas, gente em tronco nu, estafados do sol, das brincadeiras na água doce, cheios de satisfação. Olham de rompante a biblioteca ambulante, na parte de dentro, a mulher e o viajante das viagens e andanças, continuam firmes, ela atenta ao que está a ler, sempre no mesmo estado, ele, capturando esboços aos quais poderia dar forma ao texto a publicar. A tarde na biblioteca ambulante está a chegar ao fim, a mulher saiu da viagem literária com linhas ainda por percorrer, termina na próxima vez. Não se despediu de mãos a abanar, na mochila leva histórias que irão desenrolar os dias que estão por chegar. 

 

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Lugar onde as pessoas da aldeia se abastecem, e frequentam para beber café, um copo, ter conhecimento das novidades. Ponto de encontro dos velhos e dos novos, o Mercadinho da Fonte em Sentieiras, foi hoje, entre embalagens de massas, arroz, leite, enchidos, carne, peixe, e sei lá mais o quê,  palco para saber mais sobre António Botto. Homem diversificado na literatura, nasceu na aldeia da Concavada, no concelho de Abrantes, a 17 de Agosto de 1897. Estamos pois a celebrar o seu nascimento, ainda menino foi para Lisboa, adolescente o seu primeiro trabalho foi numa livraria. Viajou pelo estrangeiro, foi funcionário público em Angola, regressando a Lisboa para trabalhar no Governo Civil, não ficando por aqui, realizou outros trabalhos de curta duração. Em 1921 é publicada a primeira edição, o livro Canções, com prefácio de Teixeira de Pascoaes. Obra criativa na lírica portuguesa ao abordar de maneira ousada o amor homosexual. Domina ainda a literatura dramática, Flor do mal, de 1923, Nove de Abril, de 1938 são exemplos. A literatura infantil também faz parte da sua bibliografia, tem contos traduzidos na língua inglesa e irlandesa, parte da sua obra poética foi traduzida por Fernando Pessoa, em 1948 com o título de Songs. Foi expulso em 1942 da função pública e partiu doente para o Brasil, onde morreu a 16 de Março de 1959. Atropelado no Rio de Janeiro aos 61 anos. Um homem se fosse hoje era uma referência no panorama literário português.

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Do alto, nas varandas abespinham olhares de curiosidade, na direcção da biblioteca ambulante. Em baixo, na esplanada, as mulheres sentadas lêem as revistas e jornais que o viajante das viagens e andanças lá colocou. Imediatamente os diálogos direccionaram-se para as páginas folheadas cheias de vontade. Pouco depois deixaram-se de ouvir, a leitura conquistou--as, afastado presencio a magia das letras, perseguidas pela vista, gerando palavras sem fim. 

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