Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

IMG_20220330_163429.jpg

A impetuosidade do vento sacode a biblioteca ambulante na estrada que a leva à aldeia do Pego, as histórias agigantam-se perante a possibilidade de elas próprias serem transportadas mais rapidamente no corpo deste fenómeno natural. Tal não irá acontecer, a condução prudente do viajante das viagens e andanças coloca-as em segurança na aldeia. A porta grande aberta, desperta a atenção a quem passa no passeio, olhares curiosos penetram no interior da biblioteca, ficam por aqui, novamente no exterior, os olhares seguem noutras direcções. A loja agrícola mantém uma actividade constante, sempre que a biblioteca ambulante permanece próxima, as pessoas não se cansam de adquirir plantas jovens, árvores, alimentação para os animais, instrumentos para conseguirem trabalhar na terra. Um território predominantemente rural, onde a agricultura de subsistência tem grande impacto nas pessoas que o habitam. As árvores direitas, com os pés enterrados na terra dos vasos, esperam que as levem para os lugares onde possam crescer, até ao dia em que darão frutos. As histórias, como as árvores estão na mesma situação, alinhadas nas estantes, mas ao contrário destas, aguardam que as levem, e esses que as agarram pelas brochuras frutifiquem usando-as.

 

IMG_20220328_160812.jpg

A tarde está embaciada, parece adoentada, que aflição será esta que assola as aldeias da minha terra? Os leitores estão entrincheirados nas suas casas, as pessoas não se deixam ver, na Lampreia só a natureza está activa, o seu timbre é magnífico, só mesmo as melodias  da orquestra silvestre me fazem estar atento. Já perto do destino final de outro dia de viagens e andanças com letras, noutra aldeia, a biblioteca ambulante e as histórias aguardam melhor sorte, ou seja leitores. Sentado numa mesa um homem lê, por aqui não é todos os dias que consigo perdurar na escrita e na imagem o momento. Levanto um pouco a voz e questiono se quer ler um jornal, responde que não, volto a insistir, mas não quer. A tarde ficou marcada pelo regresso à biblioteca ambulante de duas leitoras, mãe e filha, e um saco cheio de livros para devolver. 

IMG_20220325_113208.jpg

O vento e mais poeira, marcam a manhã das viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. No café o Nuno e uma cliente, ambos leitores da biblioteca ambulante ficaram com as cabeças encaixadas nas páginas dos jornais e das revistas. Uma leitura obrigatória sempre que venho à Aldeia do Mato. A informação periódica ainda é importante para alguns, um estímulo para outras leituras, uns preferem a informação desportiva, outros apontam à generalista e social. Gostam de ler sobre os outros, acompanham os acontecimentos dos seus clubes nas páginas do jornal, ou lêem apreensivos as notícias oriundas do leste. As histórias sobram para a noite, evitam assim o ruído do silêncio, tudo acontece mais depressa daí em diante, até que os olhos cansados não aguentam e adormecem no meio da curiosidade que a história ainda tem para narrar.

IMG_20220321_190709.jpg

Hoje encontrei o Neto, colega dos tempos do liceu, já nos tinha-mos avistado noutras ocasiões, ao longe, acenando com a mão. Ele a conduzir a sua carrinha ambulante a vender enchidos, azeite , massas, fruta, dando um pouco de atenção aos velhos, auxiliando-os na entrega dos alimentos. Na biblioteca ambulante o viajante das viagens e andanças a levar histórias. Encontramo-nos na aldeia do Brunheirinho, ele atarefado com uma cliente, eu acreditando que apareça algum leitor. O Neto também é um distribuidor de histórias, cada alimento que traz, tem uma história, os produtos que os compõem, as viagens que realizaram para poderem ser incorporados nos alimentos. Sabores das regiões de onde são oriundos, da terra onde brotam as raízes e crescem as sementes. Depois são os pratos na mesa libertando cheiros, e costumes transmitidos de geração em geração. Os dois cada um à sua maneira, viajamos pelos mesmos lugares, observamos, ouvimos, sentimos as pessoas.

Pág. 1/3