Quem está a escrever ...
O ar está impregnado de fumo, não se vê mas o cheiro não engana ninguém. O frio obriga os aldeões a armarem as lareiras, e as salamandras com lenha, logo que se levantam às primeiras horas do dia. Ainda as brasas do dia anterior não arrefeceram já as chamas voltam a dançar, só assim se consegue manter as casas quentes no inverno. É iminente que a chuva está próxima, olhar para o céu é como ver uma página rasurada, a tinta azul que traça a abóbada por cima de nós mal se consegue ver, nem uma clareira para poder vislumbrar algum raio solar. Quem está a escrever a história deste dia, enganou-se, ou desistiu de continuar a criar a rotação, na qual há dois mil e vinte e três anos atrás uns reis sábios suportaram as vicissitudes de uma viagem, saindo das suas terras para oferendar um menino incógnito. Um enorme rebanho pasta aqui perto, o presépio não o vi, a página seguinte está menos riscada, o escrivão aceitou continuar... A tarde pressente o seu fim, o largo em S. Miguel do Rio Torto está vazio, o parque infantil empertigado chora a ausência da pequenada, as palavras que o estabeleceram não foram suficientes, crianças, novos e velhos, não se vê ninguém. A insuficiência de calor não amedrontou os leitores, as histórias dão-lhes energia, que o sol não lhes consegue dar.