Dois cães ladram ...
De manhã a mão direita estava atordoada, não obedecia ao impulso de querer rabiscar qualquer coisa, o frio atrasava os movimentos. Este não retardou as leitoras, numa azáfama a explorarem histórias que lhes dêem condimento e sabor, a leitura é um prato para ser consumido com prazer. A tarde trouxe ideias para continuar a escrever, o sol está receoso, as nuvens ao largo não o deixam sossegado, a qualquer momento poderá ser absorvido por estas. As mulheres na rua andam encolhidas, usam enormes xailes, cobrindo-as de alto a baixo, o frio fica assim impossibilitado de transpor as armaduras de lã que protegem o corpo destas. Dois cães ladram ao vento gelado, talvez seja uma ameaça para os canídeos, ficaria melhor se os latidos dos animais afugentassem a frente fria para outro lado. As nuvens estão apressadas, o José entrou na biblioteca ambulante com a mesma estratégia, colocou as histórias e o cartão de leitor à minha frente no balcão. Pode ir escolher outras, disse, estava estático quando o olhei nos olhos aguados, as palavras saíam-lhe com grande dificuldade, puxei-as um pouco mais para o entender. Entre-lábios trementes, disse, a minha mulher morreu. Nesse momento o sol foi tomado por vagalhões de nuvens negras, a espontaneidade do silêncio foi interrompida pela força das palavras de conforto, no sítio ideal para empurrar a solidão que ali estava a olhar-me nos olhos.