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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

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A padeira buzinou a carrinha ao mesmo tempo que o som arrastado do gato a miar, na laranjeira a fruta desprende-se do cordão umbilical puxada pelo vento. O homem preferiu o pão às histórias, compreendo-o, a barriga em primeiro lugar, o resto pode esperar. E é o que a biblioteca ambulante constrói diariamente, a criar hábito na leitura, não é fácil, também não é impossível, o edifício ergue-se devagar, com as fracções a serem ocupadas progressivamente. O sol há muito que ultrapassou o ponto mais alto, está forte, uma camisa sem mangas teria sido boa opção para vestir, infelizmente é tarde para voltar atrás. Os cães na aldeia não param de ladrar, sentem o vento enfermiço no focinho, não se vê vivalma, o café deve ter uns quantos enfiados no interior, estão para ali sentados a olharem para a televisão calados. Da última vez que lá entrei foi assim que os vi, na altura viraram os olhares espantados para mim, um rosto diferente, nessa tarde distribui os jornais. O leitor da aldeia ainda não veio, quando chego encontro-o sempre sentado com o saco onde estão as histórias aguardando a biblioteca ambulante. Desta vez não deu sinal de vida, estará doente, ou andará pela horta não se apercebendo do horário. Ainda é cedo para partir rumando a outro lugar, tenho esperança da sua vinda ao encontro das histórias. No largo do coreto em Alvega as árvores não têm folhas ainda, a sombra rareia no espaço central da aldeia, aqui também não se vê ninguém, os sons são diversos, dos pássaros, dos automóveis entrando e saindo do largo, das pessoas não ouço nenhum. A esplanada do único café está sem fregueses, embora estejam dois veículos pesados de mercadorias a tirarem a carga, cerveja e água, palavras incompatíveis uma com outra no sabor, mas não passam uma sem a outra na fabricação da primeira. Antónimo foi o dia de hoje nas viagens e andanças, bom e mau.