Ocultando a inocência do papel ...
O verão é um príncipe e agora quer usurpar o reinado da rainha primavera, a história tem-nos mostrado episódios iguais com o passar do tempo. O suspeito, homem, interferente na divisão que enquadra seres e coisas, está a mudar a forma como sempre conhecemos as estações meteorológicas. A biblioteca ambulante permanece na aldeia de Sentieiras, são onze horas e vinte e dois minutos e estão trinta graus celcius no termómetro, os leitores chegam a protestar da temperatura elevada, prevêem dificuldades no acesso a água corrente para regarem as hortas, os poços vão deixar escapar a que têm armazenada. Sem necessitar de beberem água, as palavras prosseguem lentamente, ocultando a inocência do papel, ao mesmo tempo a intensidade do calor sobe dois graus celcius, acredito que esta ascensão súbita seja a causa pela qual um leitor do jornal ter desaparecido de um momento para o outro, levando o periódico com ele por descuido. Talvez fosse para proteger a cabeça do atrevimento do sol, ou querer continuar a leitura resguardado numa sombra. Nunca mais o vi com o jornal. Hoje, as galinhas são tocadas com a alteração climática, um habitante da aldeia mostrou-me um ovo apresentando um volume anormal, gerado por uma das suas aves domésticas. Segundo ele a ave não atingiu a idade adulta ainda, e está a pôr ovos descomunais, sorte a sua, respondi, sempre poupa umas gemas nas actividades culinárias, mencionei no final. O vento amainou nas Mouriscas, os trinta e seis graus celcius são um muro a impedir os leitores de chegarem à biblioteca ambulante, no último quartel da vida a condição física de alguns não permitirá a deslocação debaixo desta violência solar precoce. Não afrontam este tempo como as galinhas ousam fazer, as histórias não merecem isto.