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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

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Na sala a música encantava, cantarolavam baixinho as letras receando algum engano, a melodia continuava a ecoar no espaço onde aprenderam a ler na antiga escola da aldeia. No final da composição o acordeão calava-se, era a vez das palavras das mulheres ganharem o papel importante. As histórias contadas por elas revelam-se nos rostos presentes, antecipavam-se diversas conclusões para cada um. Como a descrita pela leitora, em pequena, numa noite em que as necessidades fisiológicas a alertaram  da urgência para se deslocar ao exterior da casa, para dar um desabafo à bexiga. Para quem não saiba, num tempo mais remoto as habitações nas aldeias não tinham saneamento e casas de banho incluídas, os imprescindíveis eram executados em anexos ou mesmo exteriormente nos terrenos confinantes. Numa dessas aflições a leitora viu uma luz no meio do vazio da noite, sem saber o que aquilo representava, imediatamente  julgou ser algo inexplicado  ao seu conhecimento. Apressada, voltou para casa acordando o seu pai para ir ver o que aquilo era, apático o pai agarrou no cajado, sempre arrumado atrás da porta da entrada da habitação,  cuidadosamente os dois dirigiram-se na direcção da luz. Não compreendendo também a força da natureza ou outra coisa qualquer se estava fazendo notar, o pai a correr vai a casa do irmão da leitora, bate com força na porta, este,  alarmado pela descrição do acontecimento, sem meias medidas, pega na arma e vão os três ao encontro do fenómeno desconhecido. Após um momento de observação mais atenta, o último a chegar rematou que a aquela luz era a de um pirilampo ou vaga-lume, como também é conhecido. Um pequeno besouro cujos orgãos apresentam funções luminescentes. Atordoados com as representações de cada um perante o inofensivo ser, voltaram a suas casas a pensarem nos relatos de histórias na aldeia sobre fenómenos de origem desconhecida. Ou a narração do Fernando, sobre o final de um dia quando se dirigia para casa montado na sua bicicleta, atalhando o caminho que atravessava a quinta perto de casa, para não ser surprendido pela GNR e ser multado pela falta de matrícula do velocípede. A chuva e a trovoada aproximavam-se ao mesmo tempo, pedalando de forma acelarada para evitar o contratempo, cai rodopiando sobre a bicicleta estatelando-se no chão. Ainda a tentar percerber o que tinha acontecido, numa árvore próxima vê um rosto metido num vulto, diz-lhe em voz alta que estava bem, não se tinha magoado. Como o homem não respondeu, estranhando a imobilidade e a ausência de resposta voltou à bicicleta dirigindo-se com mais velocidade ainda a matutar no que tinha visto. Depois de testemunhar e questionar a sua mãe sobre o que viu, esta disse-lhe para aguardar a explicação mais tarde. Passaram-se meses quando abordou a mãe sobre o assunto pendente ainda na sua cabeça, ficou perplexo com a resposta, há muitos anos atrás um homem tinha posto termo à vida por enforcamento numa árvore na quinta. A tarde fomentada pela biblioteca ambulante, foi assim pautada por histórias musicais, por enredos de quem está para o lado de lá, consequências das oralidades transmitidas ao longo dos tempos.