Dá-lhes coragem, desprende as palavras ...
A aldeia não tem ninguém, o café está fechado, o relógio da torre da igreja faz-se ouvir, a manhã lança-se na direcção do meio-dia. Os leitores fazem gazeta à biblioteca ambulante, a cor cinzenta do céu, a chuva pode desabar a qualquer momento, podem ser motivo para não arriscarem a vinda às histórias. As carrinhas dos padeiros buzinam ao silêncio, como se este precisasse de pão para sobreviver, alimenta-se da ausência, da carência de empregos, de serviços públicos, de comércio, das pessoas. Finalmente abateu-se a anunciada chuva, deixando um rasto de poças de água na estrada, ao longo do território das aldeias da minha terra. Trouxe uma imperceptível névoa, cuja fragilidade ganhou espessura ao longo da tarde, antevejo a noite a surgir rapidamente, hoje. Mais cegueira acumulada nas aldeias a norte do rio Tejo, as noites aqui não são fáceis para quem coabita com a solidão, o álcool, é muitas vezes para alguns o interruptor que faz iluminar os mais quebráveis. Dá-lhes coragem, desprende as palavras, amarradas nas gargantas roucas de tanto chorarem em segredo. Dá-lhes cabo do resto da saúde. São teimosos, não querem as luzes da biblioteca ambulante, as histórias, a ilustrarem-lhes os caminhos, nem tudo é escuridão, as palavras são lanternas a convergirem os raios luminosos nas páginas, a perseguirem as frases. As histórias desbravam quem as lê, retiram obstáculos, as ervas daninhas, docilizando a rudeza do território.