Aprenderam cedo a lerem ...
A fina neblina permanece estável em toda a planície, após a ponte das Areias o extenso vale que acolhe a aldeia da Bemposta, parece saído de uma história. Os traços do sol espalham-se na planície, nos panos verdes, babetes gigantes a rodearem as oliveiras, impedindo o fruto perder-se no meio das ervas. Há mais gente com paus a baterem na ramagem das oliveiras, agachados no chão, separando as pequenas letras pretas com as quais se escreve a palavra azeitona das folhas, há sacos cheios desta, aguardando a viagem para o lagar, não me lembro a última vez que os vi assim cheios de entusiasmo, neste trabalho. Talvez seja o valor do azeite, apelidado de ouro verde, oito euros por litro, ou mais, corresponda a uma expectativa de confiança aos orçamentos familiares. A biblioteca ambulante está parada na aldeia do Brunheirinho, dividida por terrenos cultiváveis, de pequenas pastagens, um Éden. Os leitores por aqui são escassos, rareiam, uma vez ou outra, alguém perde a cabeça atrevendo-se a levar uma história. Aprenderam cedo a lerem a terra, não querem outra coisa, ousam falarem com os animais que os acompanham, ou sustentam, ajudando na economia caseira, na alimentação, parcerias impossíveis na cidade. A tarde puxou a nebulosidade para o espaço mais amplo na estrada do Cabrito, há agitação rodoviária, pessoas abeirando-se dos cafés no largo, para bebericarem apressadamente cafés e fumarem cigarros. Com o horizonte de histórias estampado nos rostos, voltam as costas, não arriscam empreenderam viagens nas capas abertas. Montados, nas coberturas das páginas escritas pelo tempo, ou à boleia das nuvens, navegadoras, com acesso rápido aos recursos disponibilizados pelos automatismos. A chuva, amedrontada, começou a cair na sinuosidade das ruas do Rossio ao Sul do Tejo, o casario decadente não tem estruturas capazes de a tolerar, invade os espaços esventrados pala falta de manutenção, de pessoas, só as paredes com histórias aguentam a passagem da biblioteca ambulante.