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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Próxima do adro da igreja ...

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A chuva acalmou o frio, regressou prudente, a água cai tranquilamente nas ruas de Rio de Moinhos. Com este ritmo, os leitores não despertam, não ouvem os sinos da torre sineiro da igreja, a dobrarem o chamamento às histórias. Próxima do adro da igreja, a biblioteca ambulante bem podia ser um andor, transportado aos ombros por gente vigorosa, cheio de imagens, de mensagens de Esperança e Fé, nas quais as pessoas da aldeia se apoiariam espiritualmente. Vinham todos à Romaria da Nª Srª da BIA, ornamentada de histórias. A procissão, aberta pela banda filarmónica da aldeia, a tocarem a música «Geni e o Zepelim», composta pelo Chico Buarque, onde se diz, ter sido inspirada no livro Bola de Sebo e Outros Contos da Guerra, escrito por Guy de Maupassant. Atrás seguem a Cruz paroquial e as bandeiras das associações ou confrarias, o ponto alto seria o leilão das histórias. A disputa destas não teria preço para os interessados, só quem arrematasse para o ar o valor mais alto há leitura, teria a sorte no acesso às narrativas pretendidas. O peixeiro estacionou no minúsculo largo, onde tudo acontece na aldeia da Amoreira, a buzina ensurdecedora não se cansa a chamar os fregueses. Não veio nenhum, partiu a buzinar, avisando a população, os leitores, para não perderem a romaria.

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A chuva acalmou o frio, regressou prudente, a água cai tranquilamente nas ruas de Rio de Moinhos. Com este ritmo, os leitores não despertam, não ouvem os sinos da torre sineiro da igreja, a dobrarem o chamamento às histórias. Próxima do adro da igreja, a biblioteca ambulante bem podia ser um andor, transportado aos ombros por gente vigorosa, cheio de imagens, de mensagens de Esperança e Fé, nas quais as pessoas da aldeia se apoiariam espiritualmente. Vinham todos à Romaria da Nª Srª  da BIA, ornamentada de histórias. A procissão, aberta pela banda filarmónica da aldeia, a tocarem a música «Geni e o Zepelim», composta pelo Chico Buarque, inspirada no livro Bola de Sebo e Outros Contos da Guerra, escrito por Guy de Maupassant. Atrás seguem a Cruz paroquial e as bandeiras das associações ou confrarias, o ponto alto seria o leilão das histórias. A disputa destas não teria preço para os interessados, só quem arrematasse para o ar o valor mais alto há leitura, teria a sorte no acesso às narrativas pretendidas. O peixeiro estacionou no minúsculo espaço onde tudo acontece na aldeia da Amoreira, 

Num espaço abafadiço ...

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O nevoeiro escapa-se da charneca, está em todo o lado, envolve a biblioteca ambulante a estrada, as aldeias. As histórias seguem atrás, aninhadas umas nas outras para não terem frio. O ar quente sai, aquece os pés do viajante das viagens e andanças, incapaz de alcançar as prateleiras, onde os personagens das histórias tiritam por causa do frio, inquietos, intrometem-se numas e noutras. Não param de saltar páginas, a correrem as linhas de cima para baixo, de baixo para cima, tentando encontrarem um lugar adaptável ao papel desempenhado no enredo. Num espaço abafadiço, um lugar mais quente, ou um diálogo caloroso, iludindo o leitor. Estou a pensar o mesmo, enfiar-me numa qualquer destas histórias,  aquecer-me no meio das palavras, nas emoções, partir, descobrir o futuro, resolver o passado.  Do interior da terra às estrelas há espaço suficiente para o devaneio acrobático das palavras. Há quem o faça com menos imaginação, ou nenhuma, uma pequena colina de lenha por arrumar na entrada de uma casa, alguém anda a carregar, provavelmente não tem frio, nem terá nos próximos dias do inverno. Um pequeno feixe de luz solar dá um ar da sua graça ao largo do coreto, um trecho musical numa tarde de outono.

 

Não há vergonha no quotidiano ..

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A área plana acompanha a biblioteca ambulante, ladeando a estrada até à aldeia da Foz. Aqui e ali há cortes na fita verdejante, o homem altera, planta, semeia, o filme ganha personagens. Pessoas e animais contribuem juntos para a paisagem não ser entediante, são metros com imprevistos, emoções ou abalos. O avanço da película traz outros actores, diálogos, histórias de visões, o sobrenatural é uma realidade em muitos lugares. Não há vergonha no quotidiano, mostram o cenário todo, minuciosos, aproximam a lente da câmara ao mais ínfimo dos adereços. Cinematografia crua, deviamos de a ver todos, está ao alcance, figuramos,  somos actores nesta tela, onde há quem fuja, como o diabo foge da cruz.

Saber ler os desígnios do céu ...

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Os raios solares aquecem a aldeia do Souto, vêm-se pessoas na rua, paradas, de mãos nos bolsos, a lagartearem ao sol. Estimulam os ossos mirrados pelo tempo, pelo trabalho na terra, a mesma que um dia os irá acolher. As folhas rodopiam num recanto, talvez seja o lamento  profundo da aldeia. O exalar triste desta e doutras aldeias da minha terra, a escassa população, a idade avançada das pessoas, o isolamento geográfico. Resignaram-se, não têm forças para alterarem o estado das coisas, em surdina falam, comentam. Abrem rasgos na terra, nas hortas semeiam favas, ervilhas, o que o carácter do clima deixa nesta altura do ano. Andam o tempo todo nisto, a geada está atrasada, também é necessária para além da chuva, é uma ciência difícil, a de amanhar a terra. Não há livros a explicar isto bem, é preciso praticar, saber ler os desígnios do céu, amar o campo. A biblioteca ambulante é um ponto amarelo de esperança, a deixar um rasto luminoso de informação, incentivando a dependência à mesma. Mas, não chega. O sopro do vento é frio, um desanimo para os próximos dias  e meses que se avizinham, nas ruelas da aldeia é o único que se atreve a caminhar, afugentando tudo à sua frente. Se não fossem as portas da biblioteca ambulante estarem apenas entreabertas, entraria por aqui adentro, a sacudir as folhas das histórias em todos os sentidos. O resultado poderia ser uma condimentada sopa de letras bem quente, assim aparecessem leitores. 

Adormecem a sonhar nas páginas da esperança

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O campo pelas aldeias da minha terra é uma sinfonia de cores, a terra castanha, recentemente lavrada, o prado verde, a caixa de cores diversas presas aos ramos, ajudam a escolha do maestro na composição. Em todo o lado a toada harmoniosa auxiliada pelo coro das aves se ouve, um concerto que interrompe o silêncio e atrasa a solidão enquanto a noite não chega. Depois, na ausência de qualquer ruído, são as folhas de papel, a passarem lentamente, é a história a avançar. Os personagens a mexerem-se, a falarem baixinho aos ouvidos de quem lê. Nesta agitação suave e com algum tempo de entusiasmo e probabilidades, adormecem a sonhar nas páginas da esperança. 

Os ventos levaram-nas ...

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Voltamos a ler em voz alta,  foi como se estivéssemos ao redor de uma fogueira. A chama, ou a mistura de palavras andando de mão em mão, aqueceu a história  destas mulheres, trouxe lentamente outras palavras, ancoradas na alma de cada uma. " Gosto de gostar, escrito pela Helena Sacadura Cabral ", moveu capítulos há muito tempo vividos, começaram novamente a viajarem nas marés do Natal, da infância, do presente, num oceano que não esqueceram. Os ventos levaram-nas para outros lugares, o trabalho prematuro fixou-as em terra firme, cresceram. Nunca mais olharam o oceano da mesma maneira, as memórias tinham naufragado definitivamente, julgavam elas. A biblioteca ambulante, opera, como se de uma draga tratasse, retira das profundezas e devolve as lembranças supostamente perdidas para sempre. Através da leitura os sentimentos emergiram à tona, alguma palavras estavam complicadas, a espontaneidade de as lerem não era a mesma no início da remoção dos valores emocionais. Agora com outra desenvoltura e mais histórias lidas, as palavras são como as ondas a rebentarem numa língua de areia.

Como as que lemos nas histórias ...

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O sol quente bate-me nas costas, vestígio do verão de S. Martinho, há uma mistura de roupas usadas pelas pessoas a deambularem na fuga que a estrada faz junto ao café. Uns trazem na cabeça gorros de lã, na esplanada, trajam camisolas com manga curta, bebem minis frescas, têm por companhia os tremoços e amendoins. Chegaram mais, combinam a presença num evento automobilístico, a conversa entre eles concentra-se nos automóveis modificados, Tuning. Imitam sons de motores, estão entusiasmados, a troca de palavras leva-os a toda a velocidade procurando aventuras. Como as que lemos nas histórias. O arranque do automóvel de um deles alarmou os mais distraídos, pôs-se em marcha repentinamente, um escritor do asfalto, a querer um final rápido para a sua história. Desejo um final alegre para as histórias destes jovens, a reclamarem a sua inclusão, demonstrando a exclusão por não compartilharem as obrigações sociais.

No ar, uma névoa de pensamentos...

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A paisagem é um livro aberto, a destruição de restos lenhosos oriundos das videiras, das oliveiras, de escritas anónimas nas folhas amarelecidas pelo tempo. O aniquilamento, transformado em pó, após a combustão, é lançado na terra. Uma combinação estimulante para as novas ideias, daqueles que nunca desistem  de pegar na caneta a semearem histórias. No ar, uma névoa de pensamentos espalha-se pelas aldeias da minha terra, leva a esperança, sossega as pessoas.

A curiosidade anda desanimada...

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Os cães ladram, percebo-os, a viatura estranha estacionada defronte do espaço que protegem, a porta grande aberta, objectos estranhos empinados, a convidarem ao manuseamento, à leitura. Uma mulher sentada a vigiar a rua, a falar alto ao telemóvel sem tirar os olhos da biblioteca ambulante. Um gato a espreitar numa janela, tudo isto no mesmo conjunto habitacional. Gente nova, na aldeia do Brunheirinho, futuros leitores, ou será cedo para tal convicção. O som das buzinas das viaturas do pão, da mercearia, fazem-se ouvir ao mesmo tempo, esta parcela da aldeia está ao rubro com o comércio ambulante a chamar as pessoas. As histórias são ultrapassadas, a barriga é mais importante, na biblioteca ambulante o acesso é livre, há gratuitidade na leitura, a disposição do bibliotecário para os ouvir. A curiosidade anda desanimada,, apesar da incerteza nos olhares. 

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