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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

31.03.25

Perde o fio das novidades ...


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O sol brilha, os pássaros produzem sons de fazer inveja a muitas orquestras, plateias de perder a vista num pavimento verde. Espectadores são os animais, aves de espécies diferentes aplaudindo de pé a cantoria dos predestinados, enchendo os ouvidos do viajante das viagens e andanças. A primavera demonstra capacidades, dar um empurrão aos aldeões, um deles, aproximou-se da biblioteca ambulante, manuseando o telemóvel, tentando captar o wi-fi que permite o acesso à internet. Ficou sentado no banco da paragem dos transportes públicos, debaixo da cobertura, protegendo-se do aperto dos braços do sol. Pesquisa a meteorologia dos próximos dias, verificará, a partir de amanhã a chuva volta, o dia hoje, será uma recordação amanhã, quente, cheio de alegria, oportunidade perdida de  ter histórias para ler num dia de aguaceiros persistente. Parti, outra aldeia esperava as histórias, no momento em que o maquinismo do motor da biblioteca ambulante, produziu os primeiros sons do inicio de outra viagem, o aldeão soube da brevidade para o final da ligação ao exterior. Um sismo de emoções ocorreram naquele homem ao ver a comunicação deixá-lo ali, só, na aldeia; sem os amigos da rede social. Sem saber, quando, onde; encontrar novamente a amarra que o prende aos amigos, por detrás da internet. Perde o fio das novidades, das notícias, da vida fingida. As histórias ali à mão, deixou-as fugir, não houve da sua parte um pouco de curiosidade para entrar na biblioteca ambulante, experimentar ler um pouco, agravar a curiosidade.

27.03.25

Felizmente está tudo bem ...


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Sob a pressão da manta de histórias, a biblioteca ambulante fez-se à estrada após o almoço do viajante das viagens e andanças. Nas curvas, na estrada, a ziguezaguear em direcção à vila do Tramagal, as histórias mais distraídas caiam das estantes mais elevadas. Não podia desviar o olhar da estrada, atormentado moralmente, sem saber o estado dos personagens, se as letras se desligaram da acção das histórias. Nem sempre acontece esta desgraça, tento que aconteça cada vez menos, mas o rumo na estrada tem acontecimentos inesperados. Veículos com alguma tonelagem transitando no sentido contrário, obrigando a reduzir a marcha bruscamente, a curva poderia ser contornada com delicadeza. Estas e outras circunstâncias acompanham a condução da  biblioteca ambulante no seu itinerário diariamente até às aldeias da minha terra. Hoje os leitores estão eufóricos, misturam-se no centro das histórias, não consigo focar os rostos entusiasmados, sempre direccionados nas estantes. Felizmente está tudo bem com os personagens acidentados nas linhas arredondadas da estrada, nenhum perdeu o enredo onde estava, caminharam um pouco, mas alcançaram as frases, intrometeram-se novamente nos acontecimentos. As letras batiam certo umas com as outras, as histórias estão no sítio certo, os leitores são sempre bem-vindos.

26.03.25

Os leitores são espiões ...


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A primavera abraçou a tarde com habilidade, os leitores não se lembram da biblioteca ambulante estacionada, esperando-os impaciente no largo, na aldeia da Concavada. Há quem caminhe pelo largo ansioso, atrasado, para algum compromisso, pela roupa vestida, está em horário de trabalho, os pingos de tinta seca nas calças, na camisola, dizem que é pintor na construção civil. Entrou no café, talvez uma bica, ou uma mini fresca, momento motivacional para o resto da tarde no trabalho. Outro atravessou o pequeno jardim estabelecido no mesmo sítio, as mãos manchadas de negro, a cor azul, quase violeta das jardineiras que usa, estabelecem a sua relação com a mecânica automóvel. Mas qualquer um deles pode ser leitor na biblioteca ambulante, o mecânico após lavar as mãos traz as histórias. O pintor abdica do prazer da cerveja fresca, da bica de mão dada com um cigarro, entra no espaço aberto, onde permanecem as histórias, e faz a sua selecção. Os leitores são espiões, podem ser qualquer pessoa. Invisíveis aos olhares curiosos, procuram obter informações nas páginas das histórias, observam o que os leitores lêem.

25.03.25

O jornal ficou sozinho na mesa ...


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A leitura do jornal absorve o homem, ao mesmo tempo, o sol lhe aquece-lhe os pés enregelados do frio matinal. A biblioteca ambulante estacionada um pouco mais acima, testemunha a leitura do aldeão que nunca entrou no espaço das histórias, mas aceita sempre o jornal colocado pelo viajante das viagens e andanças na mesa. Não é preciso impor a leitura, só é necessário seduzir com os títulos bombásticos da imprensa escrita, depois ausenta-se a ler sem parar. Enquanto ali permanece desenvolve o conhecimento, fica apto para emitir opiniões acerca de temas diversos. As galinhas tagarelam de forma diferente, são os ovos que acabaram de colocar que as põem presunçosas, virando a cabeça na ponta do comprido pescoço, como se fosse um cata-vento. O céu está picotado por uma esquadrilha de nuvens, avançam lentamente, como os enormes dirigíveis cheios de gás. Não têm destino, vão para onde o vento as comanda, melhor comandante não há, para as dirigir a destinos indefinidos. Assim como a leitura lida pelo homem, impele-o a levantar-se rapidamente, a notícia mostrou-lhe algo que o pertubou, ou ultrapassou o tempo previsto para estar com tempo livre. Prometeu à sua mulher que adiantaria o almoço, esqueceu-se, o jornal prendeu-o, as letras pequenas espalhadas na folha obrigaram-no a fazer a junção, um puzzle com palavras. Um jogo de paciência com letras que têm de ser ajustadas umas às outras. Ora, isto leva o seu tempo,  saiu disparado, como os atletas quando iniciam as corridas de meio fundo para ganharem a melhor posição no grupo. O jornal ficou sozinho na mesa, as folhas quietas, o vento a empurrar as nuvens não tinha força para mais. Pode ser que chegue mais alguém e o leia de uma ponta à outra como fez o homem que partiu apressado. Deixei de o ver quando dobrou a esquina da rua depois de ter subido um pouco, estaria a sua mulher já em casa, furiosa, sem a refeição adiantada. Agora como fará, o trabalho espera-a, e não há solução, só pode despejar a raiva com o homem, quando este entrar em casa. E foi o que fez, a rua ficou a saber o que se passou entre os dois, o jornal quer sair dali para fora, ir para o seu lugar no escaparate, na biblioteca ambulante. Não iria ser ele o causador da briga doméstica, a mulher não podia saber disso, não foi preciso tanto, ficou aliviado quando outro leitor o abriu e folheou, pesquisando notícias interessantes. A manhã podia ter terminado desta maneira abrupta para o homem, não foi assim, a imaginação puxou-me, e fui de livre vontade.

 

24.03.25

Assim está o rio hoje ...


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O dia acordou radiante, para trás ficaram os dias grisalhos, não quero dizer com isto que tenham sido maus, o meu cabelo também se encontra na mesma tonalidade, nem por isso sou uma pessoa de mau humor. O sol bate no rio Tejo, endiabrado, galgou as margens, sem espaço para se manter no leito, invadiu a cercadura da folha de partículas suspensas na água. São histórias, informações, da mãe natureza, escritas do passado dando a conhecer a história do rio, que o homem  por inacção nunca se esmerou a respeitar, por isso, de vez enquanto tem contrariedades. Na escrita simples quantas vezes as palavras não saltaram o limite, fugindo da censura, dissimuladas em histórias cheias de ingenuidade. Assim está o rio hoje, inquieto, e cada vez mais a escrita o fará nos países sem força para estancar a autocracia, ou ultrapassar a iliteracia social, mesmo os denominados democráticos. Não acontece nenhum impedimento na biblioteca ambulante, os leitores continuam a explorar os cantos das prateleiras, remexendo nas histórias, abrindo e fechando páginas inteiras de palavras livres. Como procedem as barragens ao longo do percurso do rio, dando passagem a águas quando querem liberdade.

21.03.25

A riqueza de uma região ...


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As mãos prendem a manta de histórias, não querem deixar sair dos retalhos as memórias da longa vida que possuem. Histórias imortalizadas pela criação de cada uma, vidas cruzadas por fios, por tintas, materiais diversos. Mais importante, a oralidade, a leitura que aprenderam a gostar na biblioteca ambulante. Quatro caminhos, bruxas, homens transformados em lobo nas noites de lua cheia, narrativas que ouviram contar ao calor da lareira, no tempo em que a televisão era uma miragem. O sagrado e o profano de mãos dadas nas aldeias, outra vez a religião, os rituais e os mitos envolvidos. Experiências pessoais, episódios comunitários, tudo isto pode a manta conter ao longo das viagens pelas aldeias da minha terra. Manta de histórias é uma expedição à imaginação de cada pessoa, aos costumes populares, tradições e lendas das aldeias. A riqueza de uma região está alicerçada neste folclore, não vamos deixar morrer o nosso âmago, a manta é uma inscrição do passado, para nos abrigarmos no presente e salvar o futuro. 

 

20.03.25

Nas aldeias as pessoas ...


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Ontem vi uma mulher caminhando na margem contrária aquela onde a biblioteca ambulante permanecia, com flores numa das mãos. Soube mais tarde que se dirigia ao cemitério colocar as flores na pedra que cobre a sepultura do seu pai. Nas aldeias as pessoas acreditam em Deus, muitas vezes o convocam, Se Deus quiser; Valha-nos Deus; Oh! Meu Deus; Deus nos acuda; estas manifestações empregam-se muitas vezes, ouço-as nas vozes das leitoras, nas pessoas, Deus está em todo o lado, talvez, nalgum dia, tenha entrado na biblioteca ambulante, acompanhando-me nas viagens e andanças pela aldeias da minha terra. Basta convicção e fé, motores importantes nas aldeias, diminuem as constantes contrariedades de se estar no interior. No Vale das Mós, uma aldeia onde a biblioteca ambulante está presente hoje de manhã, as crianças do infantário do Centro Social ocuparam  todo o espaço das histórias, um exemplo de resiliência. Criar filhos, residir na aldeia, nos tempos actuais não é para todos, só para aqueles com uma crença absoluta. A biblioteca ambulante tem a função de abrandar os pensamentos menos bons, e mostrar sinais de esperança, na informação que se obtem facilmente, na leitura exposta, na socialização entre os leitores e restantes aldeões. A chuva regressou, o vento continua com menos itensidade, 

19.03.25

O vento está a levar tudo ...


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O vento está a levar tudo à sua frente, na rua as pessoas andam encolhidas, diminuíram de tamanho para se abrigarem da ventania enquanto caminham na direcção da viatura do vendedor ambulante. De manhã estava com o estaminé na aldeia do Vale de Açor, com as freguesas observando, a regatearem o preço dos géneros alimentícios. Na aldeia das Bicas são a biblioteca ambulante e a mesma viatura da manhã, próximas, a tentarem a sua sorte com a presença de leitores e os que compram habitualmente neste meio de negócio. Duas leitoras chegaram juntas com sacos, onde se acomodavam as revistas que tinham em casa, hoje vão levar outras, actualizam os mexericos sobre as figuras públicas, experimentam elaborar os exemplares expostos nas revistas de bordados. Antes disto, levam cada uma o seu tempo a explorarem as páginas, dão palpites, falam na minha direcção, esperando uma confirmação, ou resposta sobre o assunto, da minha parte. Não percebo de técnica alguma onde entram as linhas e agulhas, limito-me a argumentar sobre a perfeição do modelo estampado. Confortáveis com o que seleccionaram despedem-se clamorosamente, desejando-me um regresso breve.

17.03.25

Deram-me o nome do rei da selva ...


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A erva molhada causa-me um transtorno enorme, a pastora pôs-me a mexer do lugar onde dormia, mergulhado na palha. Orientei as ovelhas, um trabalho cada vez mais exigente para a minha idade, são teimosas, corro de um lado para o outro, encaminhando-as para o rumo certo. Na direcção do prado a estrear de erva macia, um sítio bom para continuar a dormir, não fosse a chuva molhar o meu pêlo até aos ossos. Deram-me o nome do rei da selva, aqui não há floresta densa, há uma charneca, ao longo do vale, coelhos curiosos, lebres atletas, e outros animais. Quando era novo, quando não tinha a responsabilidade de proteger as ovelhas, instruí-las a dirigirem-se para os sítios preciosos, onde está a erva mais suculenta, corria atrás dos animais silvestres. Nunca consegui agarrar algum, desfiava-os, gosto da liberdade que têm. - Leão! Leão! Leãooooo! - A pastora não consegue estar sossegada, anda com uma vara atrás de uma ovelha, precisa da minha ajuda, lá se foi o descanso. Mais logo, de tarde, permanece ali em cima, junto do plátano grande, a biblioteca ambulante, se soubesse ler, iria conhecer as histórias. Talvez trouxesse algumas para ler, um olho para as páginas, outro para vigiar as ovelhas. A pastora não quer saber da biblioteca ambulante para nada, atravessa a estrada próxima das histórias, mas, só pensa no rebanho, a gritar com os animais, comigo, é a linguagem que sabe para comunicar connosco. Não sei se sabe ler, nunca a vi com um livro nas mãos, não expressa curiosidade quando encontra o homem, sentado na cadeira voltada para as histórias, a olhar para a inquietude da pastora sempre que leva o rebanho ao pasto. Como seria se a pastora fosse leitora assídua na biblioteca ambulante, talvez as palavras abrandassem a brutalidade dos seus gestos, a agressividade da voz, lhe moldassem o corpo. Dando-lhe formosura, ao ponto de os animais a olharem com suavidade, ou os homens da aldeia atirarem-lhe olhares voluptuosos. Isto não é troca de palavras para um cão,  vou continuar a cuidar com atenção, a defender as ovelhas, é para isso que dão as sobras da comida, e de vez enquando, nos dias de festa, doutra, aquela que os cães na cidade comem.

 

14.03.25

Protesta de forma inflamada ...


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Hoje está sol, os pássaros cantam sem se deixarem observar, os ninhos cheios de ovos estão dissimulados nas árvores cujas folhas não têm fim. Na aldeia de Rio de Moinhos no largo da igreja, os automóveis artravessam apressados o espaço, os condutores não evitam deitarem olhares à bliblioteca ambulante. Esta continua até agora a surpreender os aldeões mais distraídos, transeuntes espantados pelo prolongamento da oferta de histórias. Por desconhecimento da presença desta porta principal com acessibilidades a viagens, a abalos emocionais. O pequeno largo na aldeia da Amoreira, é a sala de estar do sol, no mesmo local, no café os aldeões bebem a bica após o almoço, antes de regressarem ao trabalho. O barulho ensurdecedor dos diálogos desordenados, vindo do interior do estabelecimento flutua no largo, as palavras chegam sem força, debatidas da boca para fora entre os homens. A loiça anda num frenesim, do lava-loiças para cima da máquina do café, desta para o balcão. Protesta de forma inflamada pondo-se de permeio nas vozes animadas pelos assuntos cavaqueados. Há sempre alguém neutro, preferindo ler o jornal,  não se metendo na vida alheia, percorre as folhas a explorar notícias. Põe informação na caixa do conhecimento, fica mais forte para as conversas com mais pessoas.

 

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