Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

30.04.25

Ensopado em palavras, no ...


historiasabeirario

2025_0430_14310700.jpg

O céu desabou nas aldeias da minha terra, a queda de água em catadupa, agita as pessoas. Andam apressadas na rua, não querem ser molhadas, são constantes os disparos de água feitos pelos automóveis. Quando pisam os charcos a ocorrerem de um momento para o outro, a chuva não se cansa, ficam os transeuntes fatigados, ao passarem no local a correr. Entram esbaforidos nos lugares de trabalho, reclamando, encharcados. Andamos sempre a reclamar, quando não chove, quando chove sem parar. Devíamos contestar, a escassez de livrarias, de livros em todo o lado, de hábitos de leitura. Ensopado em palavras, no pequeno largo, estacionado, na biblioteca ambulante, subitamente, vejo as tílias, não estão despidas como da última vez, as folhas embelezam os frágeis ramos, há flores a saírem. Tudo tão rápido, sem tumultos, acontecendo nas árvores, com as flores, no campo, nas aldeias, nos leitores. O terminal de multibanco tem outro utilizador, o barbeiro tem a porta entreaberta, a lâmpada pendurada no tecto da barbearia, tem a barriga cheia de brilho, oiço o fremir da energia nos filamentos, talvez o primeiro esteja a levantar o dinheiro para pagar o corte do cabelo, no barbeiro. O rio de automóveis não se cansa de correr de um sentido e noutro, no leito alcatroado. Dois trajectos, dois destinos, histórias inacabadas.

29.04.25

Um farol contra os apagões ...


historiasabeirario

2025_0429_05365000.jpg

Ler raramente leva a maus comportamentos, o dia de ontem,  foi cheio disso mesmo, nas atitudes de muitas pessoas. Aqui, a estrada  (nacional nº 2) além de levar forasteiros de passagem para o sul do país, é o principal acesso, onde várias artérias rodoviárias desembocam nesta, vindas da cidade, trazendo e levando abrantinos. O que fizeram alguns automobilistas, levados pela ignorância, estupidamente puseram-se a encher os depósitos de combustível dos automóveis, num posto de abastecimento, uns atrás dos outros, cada vez mais, entupiram a estrada mais importante, criando o caos. Longos minutos para transpor um quilómetro por causa de pessoas mal formadas. A biblioteca ambulante é, será sempre um farol contra os apagões ( escreveu, ontem, o Luís Marçal, outro viajante de viagens e andanças, no concelho de Proença-a-Nova), nas aldeias nunca faltará a luz, conhecimento sempre ligado. Venha quem vier tem sempre a possibilidade de estar informado, não estar incluído nos exemplos do «Xico esperto» da incivilidade, testemunhado, e visto na televisão. Um novo dia está em andamento, na orla da estrada as papoulas, guiam as histórias às aldeias, aos leitores. A tarde chegou de mau humor, trouxe o vento consigo. Os sons, os gritos das crianças em Gaza, das mulheres em Kiev. Dos homens abnegados. E os ignorantes a sufocarem sob o peso, da água, da fruta, da carne, do peixe, das conservas; da ganância. A esplanada do café, no largo do Cabrito, acolhe sempre os mesmos homens. Não tiram os olhares dos automóveis a transitar, a tentarem perceber quem são os ocupantes, da biblioteca ambulante. Marcando, quem entra, e sai com histórias, apontam o olhar, advinham as palavras por ler, nas páginas, entre as brochuras. Porque será que se matam, nos hipermercados, na vontade intensa de possuírem tudo. Questionam, os homens, sentados na esplanada, fumando, escondidos no tempo. Não têm ambição, não são dotados de curiosidade, de espreitarem a biblioteca ambulante. Saber das histórias, a mensagem que trazem. O vento leva-lhes o fumo dos cigarros para longe, nem isso lhes desperta a vantagem, de irem na névoa, conhecer o mundo, as histórias. Noutro largo a espreitar o rio Tejo, gordo e cheio de pressa de chegar a Lisboa. A biblioteca ambulante sem acesso a internet, recebe os leitores. Uns para renovarem a leitura, para levarem histórias para os filhos, ainda na escola. O sol atreveu-se a brilhar, foi um sorriso curto, a disposição, ou o ânimo (também serve) da tarde, fracassou completamente.

 

 

28.04.25

Afinal, as aldeias possuem...


historiasabeirario

2025_0428_10384100.jpg

Sem luz, os leitores na aldeia continuam a entrar na biblioteca ambulante, não é complicado viver sem energia artificial. Na horta, há legumes e hortaliça, têm galinhas, ovos, e coelhos, no galinheiro, na coelheira, poços abastecidos pelas rede de canais subterrâneos, alimentados pela infiltração da água das recentes chuvas. Lêem sob a iluminação dos antigos candeeiros a petróleo, ou recorrem a velas de cera, caso a energia eléctrica não tenha sido reposta. Afinal, as aldeias possuem recursos que a cidade não tem, não permite, face ao acelerado avanço tecnológico, ao abandono, dos modos de proceder, de um passado que aconteceu há pouco tempo. Terminado o trabalho no campo, outro qualquer ofício, pouco antes de o sol se deitar, os leitores na aldeia, após irem para dentro de casa, têm sempre uma história à espera, para continuarem  a sonhar, com um amanhã melhor, enquanto não chega outro dia. Não ficam irritados, pela ausência da TV, da impossibilidade de andarem a bisbilhotarem pela internet adentro. Concentram-se na história, sem interrupções, das notícias bombásticas, da política obscena, da guerra. Serões saudáveis passam-se assim na aldeia, até aos primeiros bocejos, são os sinais da carência de descanso. Um sopro na vela de cera, rodar, a roda exterior do candeeiro a petróleo para recolher o pavio e extinguir a chama. Adormecerem na almofada, mantendo as palavras lidas, mornas, até ao recomeço no dia seguinte, depois de cumprido o exercício da actividade profissional. 

26.04.25

Histórias feitas à mão ...


historiasabeirario

2025_0423_13110500.jpg

A manta de histórias progride nas mãos das mulheres das aldeias, enredadoras das histórias, nas suas terras. Tecedeiras do tempo entre o nascimento e a morte, dos acontecimentos, desde o principio, conservados na oralidade, aos dias de hoje, na resiliência, na maneira de viver, nas aldeias. Pedaços de memórias, sobras de tecidos, linhas transformadas em palavras, ajustadas, e unidas por meio de pontos dados com agulha. Histórias que acomodamos, na intermitência de todos os dias, acumulando saberes, foram em tempos idos cosidas por mãos hábeis. Histórias feitas à mão, na escrita, com a linha, sem a linha, na pedra, na pele, no papiro, na folha. Histórias, conquistando o pano, as pessoas, os leitores, fixando padrões, identidades, das aldeias. A mesma linha que a biblioteca ambulante deixa nas suas viagens e andanças pelas aldeias da minha terra. Um traço, tracejado, de palavras entre o conhecido e o desconhecido. 

24.04.25

A desigualdade entre a cidade e...


historiasabeirario

2025_0404_14330000.jpg

As aldeias da minha terra estão alagadas de sol, os campos estão verdejantes e repletos de flores silvestres. Há árvores a molharem os pés nos charcos, águas das ribeiras a correrem em liberdade pelos declives da charneca, a narrarem minuciosamente o património natural. São histórias, dependentes cada vez mais, daqueles que teimam continuar a violar os recursos naturais, a inutilizarem com traços as palavras. Uma reprovação desmesurada, na obra plástica, e literária. Manipulando a forma das letras, o sentido das palavras, quando brotam no sulco feito pelo arado da caneta, na folha branca. Não basta o silêncio das aldeias, vítimas da violência moral, semelhante ao que fazem alguns homens com as suas mulheres. A desigualdade entre a cidade e a aldeia, a diminuição dos serviços, sem transportes públicos, sem escolas, ou mesmo falar com amigos ou parentes. No largo, defronte do café Areias, três homens conversam entre eles, são uma ilha no mar de alcatrão. As casas vazias, gastas por silêncios e pelas sombras. Os pintassilgos voam atrás uns dos outros, o arrulhar das rolas está por todo o lado, na aldeia, adicionando o chilrear do resto dos pássaros. São eles e a biblioteca ambulante, a relembrarem as pessoas! As melodias, as histórias, são para ouvirem, para lerem, as aldeias precisam de pessoas.

23.04.25

Montado na biblioteca ambulante, escudado ...


historiasabeirario

2025_0327_11194900.jpg

 

 

2025_0325_16452000.jpg

No tempo em que Filipe II de Espanha ou Filipe I de Portugal, no período em que a corte se instalava em Tomar, talvez, Cervantes tivesse percorrido o território das aldeias da minha terra, após ter navegado na principal estrada fluvial da Península Ibérica, o rio Tejo. Ou pode não ter acontecido assim, pois na imaginação do autor, na loucura do cavaleiro fidalgo, nas aventuras com o seu fiel companheiro Sancho Pança, não menciona na sua obra, não  percorreram as terras lusas. Se a imaginação atravessasse a fronteira, com D. Quixote e o seu escudeiro a calcorrearem pelas aldeias da minha terra, sem pessoas, com o primeiro empunhando a comprida lança, enfrentando a solidão e o isolamento ao mesmo tempo. Combatendo os heróis da  actualidade, que não se vêem a olho nu, mas continuam presentes, apesar da imaginação do autor os tentar travar em combate. Sem lança e Sancho Pança, com as armas que lhe foram atribuídas, o viajante das viagens e andanças, com livros, montado na biblioteca ambulante, escudado por leitores, encara estas personagens reais. Os moinhos são engenhos do passado, o vento não consegue mover as suas velas de pano. As mesmas que levaram mareantes, muitos deles oriundos do interior, dos lugares, nem aldeias eram ainda. As pedras das mós, moem o silêncio, actual alimento nas aldeias da minha terra. Embora, não desaparecesse o ruído das páginas dos livros, as velas de papel, a mover os pensamentos, continuam no seu movimento, a defender as pessoas das aberrações.

22.04.25

O sol continua a inundar o ...


historiasabeirario

2025_0421_18440600.jpg

As nuvens passam devagar por cima da biblioteca ambulante, da minha cabeça, observando melhor,  consigo avistar um avião apressado por cima destas. O rasto de condensação (nuvens que se formam pelo ar quente e húmido que sai dos motores) deixado é uma memória curta que fica no firmamento, diferente da lembrança das palavras, com que ficamos nas leituras que realizamos. As palavras cravadas nas páginas são eternas, ficam para sempre nas bibliotecas, nas colecções e textos impressos destinados aos leitores. Algumas passam por nós como as nuvens ou como os aviões, mas, há sempre possibilidade de as lermos novamente. Outras nunca as esqueceremos, a palavra mãe, a palavra pai, estejam onde estiverem, a palavra filhos, sempre presente, a palavra amigo, ao dispor quando precisam. A principal, a palavra mulher, o berço da humanidade, o ponto de partida, para crescermos, aprendermos, sermos pessoas, leitores, frequentando bibliotecas, o que quisermos ser. O sol continua a inundar o largo, o adro da igreja de Rio de Moinhos, a biblioteca ambulante, a primavera, outra palavra importante, começa a ganhar finalmente pernas para andar, as nuvens continuam a passar, vagarosas, têm tempo de chegar ao destino. O escritor também faz o mesmo a escrever as palavras nos alicerces do conhecimento, tem tempo de chegar a quem dirige o pensamento. A biblioteca ambulante também o faz em relação aos lugares onde permanece, hajam leitores para conhecerem a palavra ler.

21.04.25

No entanto há aldeias com ...


historiasabeirario

2025_0416_10385100.jpg

O dia está atordoado, morreu o Papa Francisco, uns dias depois de outro latino-americano, o escritor Mário Vargas Llosa. Influentes num mundo em constante mudança, com impacto na sociedade colectiva. A religião e a literatura, um conjunto de princípios, a linguagem escrita como meio de expressão, unidas no bem e no mal. Ambas coabitam no mesmo espaço na biblioteca ambulante, a catedral, dos lugares, onde não é complicado viver. Venha quem vier tem acesso a histórias, trazer a sua, dar a conhecer as emoções de viver na aldeia, os sentimentos em relação à separação com a cidade. A tarde desatou a chorar, as lágrimas formam pequenos ribeiros numa rua deserta da pequena aldeia do Monte Galego. Um rio de palavras por ler desaguará na cidade, mal informada sobre as vivências rurais, não sabem do que é difícil não usufruir nas aldeias o que a cidade possuí. Transportes públicos com mais frequência, correios, posto médico, escolas, comércio envolvendo a compra a venda e distribuição alimentar.  No entanto há aldeias com sorte, usufruem de uma biblioteca ambulante, apaziguam o desconforto pela inacessibilidade, atingem outros patamares. Por palavras e com tão pouco, conseguem ligação a uma vasta rede de comunicações, de verem a aldeia global de uma maneira diferente.

 

16.04.25

De tarde as nuvens talharam...


historiasabeirario

2025_0415_16360400.jpg

2025_0415_16361000.jpg

As nuvens andam nas aldeias da minha terra, são claras, batidas em castelo, a envolverem as oportunidades com o auxílio da biblioteca ambulante. A batedeira usada para bater os ingredientes, as comunidades. Num copo fundo de boca larga, onde podem entrar mensagens, sonhos, paixões, dramas, informação abrangente;  as palavras misturam-se as doces e as amargas, ao sabor de qualquer leitor. Deixam-se arrefecer, tiram-se das formas páginas de letras, e colocam-se histórias em travessas, leitos acessíveis a todos os que queiram experimentar sabores diferentes. De tarde as nuvens talharam, não estão claras, racharam e largam água, não é possível combinar as ideias com a massa que as desenvolve no papel preparado para as temperaturas elevadas no forno. Quem não se interessa pela pastelaria, ou não gosta dos sabores açucarados da festa anual dos cristãos, a Páscoa, estão no café da associação cultural da aldeia. Os indícios desta concentração está à vista de todos que chegam ao espaço circundante, preenchido com vários automóveis. Não é habitual esta quantidade, só a festividade da semana que atravessamos, os trouxe de novo à sua aldeia. Reúnem-se no local onde possam estar juntos a criar enredos. Muitos deles passíveis de publicação, não tirassem eles a vontade de dormir a quem não terminasse de os ler.

15.04.25

Oxalá no futuro os ...


historiasabeirario

2025_0415_09475100.jpg

O tempo envelheceu outra vez, o frio gosta de deambular na charneca, pelas aldeias da minha terra, nos sítios onde a biblioteca ambulante aguarda os leitores. Neste momento, depois de ter ido tocar à campainha do infantário, chamar os meninos para visitarem as histórias. Um pequeno grupo a gozar férias no ATL, aproxima-se com a responsável pela custódia deles. Sentam-se no chão, abrem as páginas perseguindo as letras, decifrando as palavras. Não são acanhados, aventuram-se na exploração, desvendam no meio da floresta densa, como o faz o escritor a desbravar o papel branco com as palavras. A chuva e o frio continuam unidos, voltaram os blusões impermeáveis, os chapéus de chuva, os rostos arreganhados das pessoas na rua. Depois de uns largos dias a usarem roupa primaveril, os mais ousados, a vestir de verão, não aguentaram, recuaram no arrojo da roupa. O sol e a chuva vão e vêm, são leitores do tempo, um traz ânimo, a outra falta de alento, o bem e o mal, os desejos e valores, os comportamentos para onde alguém ou uma coisa se voltam. O céu transforma-se novamente, está a ficar escuro como breu, desta vez ouço um alarido, indistinto, fazendo-se ouvir mais alto com a aproximação da obscuridade. Oxalá no futuro os leitores fossem como o tempo, sempre a ler.

Pág. 1/2