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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

30.06.25

O cheiro do peixe a ser ...


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Terminaram as diferenças na temperatura nas aldeias da minha terra, de manhã, de tarde, de noite, o calor mantém-se agressivo. Aguardo leitores na aldeia do Tubaral, estiveram outros, noutra aldeia, ao início das viagens e andanças desta semana. Irão ser dias extenuantes, no ar paira um odor a sardinhas grelhadas, o som de um gato a miar também é audível. Os sentidos do viajante das viagens e andanças estão alertados para o que aí vem no resto do dia. Saborear umas sardinhas com uns pimentos grelhados e tomates frescos numa salada, seria uma história feliz. Virar os lombos do peixe sobre as linhas de broa de milho, sem vírgulas, espinhas, ou pontos final. Seguir os traços do pimento colorido, o prato, ilustrado tem outro sabor. O aparo, do utensílio do galheteiro, derramando óleo virgem, para acrescentar mais momentos de felicidade na leitura da história. À semelhança de uma caneta a desbravar a folha imaculada. O cheiro do peixe a ser preparado, aumenta o apetite,  o auge da história está quase a acontecer, quando for retirado das brasas, uma impressora a passar a pente fino a pele escamada. A gotejar o excesso da gordura na travessa, a caminho da mesa, onde aguardam leitores famintos de uma leitura saborosa. Com as mãos agarram o peixe, a história desejada, para ser lida e comentada entre eles. No espaço exterior à sombra de uma imponente laranjeira, numa mesa de medidas razoáveis para albergar o clube de apreciadores dos prazeres da mesa.

27.06.25

Todos sabem que existe, ...


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Nas aldeias da minha terra, o verão não é o mesmo, verão, onde se bebe limonadas, ou saboreia gelados, a vermos o mar. Aqui, existem oceanos de floresta a lamberem praias, plantadas de hortaliças e legumes. A terra ajuda, dá berço às sementes e plantas. Cava-se a terra para alimentar, não se constroem castelos de areia para desabarem debaixo das vagas trazidas pelo movimento dos ventos ou marés. O vento nas aldeias da minha terra, traz, a fúria dos homens, o fogo, destruidor de vontades, de sonhos, de vidas. Ao contrário dos castelos de areia, a capacidade da terra, os sistemas ecológicos, nas aldeias da minha terra, voltam a manifestarem-se. São como as pessoas deste território, reféns da interioridade, muito pior que o verão, são meses, anos contínuos debaixo do fogo de palha, do entusiasmo efémero, dos políticos, dos que assobiam para o lado, sempre que visitam o isolamento das terras do interior. Há demasiadas cadeiras vazias nas aldeias da minha terra, os velhos morrem, os novos emigram, escasso trabalho, a agricultura de subsistência não impulsiona mão de obra. A percepção da interioridade, é a mesma, de uma história mal arrumada, nas estantes de uma biblioteca. Todos sabem que existe, passam ao lado, nas estradas do desenvolvimento, mas não querem voltar a coloca-la no lugar certo. Abrir as suas páginas, ler de uma ponta a outra, tentar perceber e melhorar de uma vez por todas a qualidade do que é interior. 

  

 

25.06.25

Os jornais pousados no ...


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Há pouco, no Mercadinho da Fonte, mini-mercado, também local de encontro das gentes da aldeia de Sentieiras para dois dedos de conversa. A conversa hoje sobre os javalis entusiasmava-os, como os caçavam, a macieza das suas carnes, as hortas que assaltavam para se alimentarem dos legumes. Os jornais pousados no pequeno balcão, próximos da caixa registadora, de vez quando, um deles passava por lá,  lendo rapidamente. Os títulos, são os mais apetecidos, embora desacelerassem a leitura quando a notícia despertava algum interesse. Mas sempre atentos à conversa do momento, estes leitores ocasionais, gostam de conversar bebendo cerveja, as garrafas vão passando de mão em mão consoante a sede de cada um. Servem-se na arca frigorífica, cheia até ao topo, nestes dias de calor. Quem chega para adquirir géneros alimentícios, dá um empurrão na conversa, leva-a para outro assunto. Aí, desprendem-se memórias, de alguém comentado, se for caso disso, de um acontecimento passado na aldeia. Outra rodada de cerveja, outra passagem pelos jornais. A manhã sobe atrás do sol, os diálogos continuam, entram e saem clientes, o pequeno espaço fervilha, os jornais de mão em mão, perderam o sentido de onde vieram, quem os trouxe. A biblioteca ambulante, estacionada defronte  não os deixa indiferentes.

24.06.25

Por letras floridas...


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O verão, como está hoje de manhã, nem muito frio nem muito quente, deveria prosseguir neste grau de aquecimento até à chegada do outono. As viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra não seriam marcadas pelo abuso da força da temperatura do sol. Mas, recomendadas às pessoas, seguindo a biblioteca ambulante, irem aos lugares onde esta permanece, nas aldeias. O bibliotecário respiraria, livre, do peso da temperatura elevada. Da quantidade de água libertada pelos pequenos orifícios cutâneos, ao ponto de criar quedas de água nas costas, do abatimento vespertino. Mantas de flores acolheriam os leitores, o contentamento da leitura. Na sombra, no verão ameno, as histórias bem podiam ser locais de embarque e desembarque de passageiros atraídos pelas palavras. Por letras floridas espalhadas pelo vento, mensageiras, da linguagem, do discurso, dos homens. Cruzei-me com a carrinha do peixeiro, acenou-me, acenei-lhe, saudamos-nos. Exprimimo-nos sempre assim, foram poucas as vezes que dialogámos um com o outro. Ele nas suas viagens e andanças, a negociar o seu peixe, pescado nos mares. Eu, a ceder temporariamente histórias escritas nos continentes. Na terra e no mar continua-se a construir a história da humanidade, pela conquista do conhecimento, por tudo o que serve para alimentar.

 

23.06.25

São pequenos passaritos ...


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A temperatura por enquanto mantêm-se equilibrada, ao contrário dos dias anteriores, em que o período da manhã caminhava a passo largo aos 30º. Felizmente, um vento leve vindo não sei de onde, permite uma manhã discreta, o desembaraço das histórias. A visita dos miúdos do infantário, estimulados, por saberem que irão arrancar palavras ainda ilegíveis. Agarrarem nas histórias, comunicarem entre uns e outros, vendo as imagens impressas, imaginando, revelando as suas histórias no momento em que os seus olhos pousam  nas páginas. São pequenos passaritos, pulando nas frágeis frases, sem medo que estas se quebrem sob o peso da alegria, da fantasia abundante. A professora não se intromete, deixa-os estarem no ninho, uma mãe atenta, na casa das letras, o tempo avançará, a biblioteca ambulante continuará a vir. As crias irão desenvolver-se, levantarão voo nas asas das histórias, da árvore onde conheceram as primeiras histórias. 

16.06.25

Abriu as portas de par em par, ....


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O mês de Junho está de passagem, no espaço intermédio, entre o princípio e o fim deste, conduz um acelarador de vontades, de iniciativas. Evocam-se os Santos, o solstício de verão, casam-se o sagrado e o profano. Há letras no ar, jogos de luzes bailando nas sombras da noite, palavras com sabores a sardinha, a broa de milho. Soltam-se, nos dias de muito aquecimento, ou de muito arrefecimento. Envolvendo-se num abraço ameno, fazendo regressar as pessoas aos bailaricos, às romarias nas aldeias. Não há sobriedade nas palavras, superadas pela alegria, ficam inaudíveis, são demasiado pequenas, pouco importantes. Nas noites de dança, numa sucessão de tempos alternados, consoante as músicas. Neste tempo de festa, a biblioteca ambulante produziu um reflexo das histórias, reagiu imediatamente. Abriu as portas de par em par, despiu-se, revelando os mundos, um de cada vez. Foram visitados por aqueles, de passagem pelo sítio onde o vento encontra a muralha do saber. Alheios da alegria reunida nas praças, nos largos, estão ligeiramente embriagados, bebem palavras, no pequeno período que estão na biblioteca ambulante. Sentados no espaço aberto, defronte das histórias, em pé, encostados às estantes. Enchendo a mente, de palavras entrando apressadamente, enquanto não os desafiam para retomarem a direcção da festa.

12.06.25

Este corpo sem ter luz ...


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Na biblioteca ambulante a possibilidade de seleccionar entre entre duas ou mais histórias, leva os leitores a viajarem a sítios que não são conhecidos deles. Nestes momentos, separados do que os rodeia, a biblioteca ambulante transforma-se num mundo cheio de acessibilidades. De lugares onde todos têm possibilidades de chegarem. Este corpo sem ter luz própria, com uma gravidade satisfatória, com forma rectangular, movendo-se numa órbita em redor das aldeias da minha terra. Onde os leitores, as pessoas das aldeias, quem quiser, exploram este universo imaginário, completo de personagens, de vigências verdadeiras. Aqui, os caminhos conduzem-nos a determinados lugares, à presença de alguém, a nós próprios. Escolher qual deles seguir é laborioso, por isso a opção dura bastante tempo para os ledores. Depois de seleccionado o destino, avançam ao encontro, ao inesperado. As palavras seguidas, atrás umas das outras, orientam-os aos destinos, envolvidos nestes lugares de papel, de aprendizagem, não têm tempo a perder. Chegar ao fim, voltarem a procurar outra aventura começa a ser habitual. Vou ali, já venho, não custa nada, é só uma viagem. 

09.06.25

Estão a causar oportunidades ...


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Os rostos expressam alegria, abertos, a quem observa as tecedeiras da «Manta de histórias». Yara Kono, a ilustradora da história infantil, sempre incansável a assinar pelo próprio punho, a obra, inspiradora destas mulheres, oriundas das aldeias da minha terra. Ela própria impressionada pelos trabalhos. A manhã foi de apreciar as palavras entre as obreiras da confecção, do lado exterior da colmeia. Biblioteca ambulante, espaço onde são fabricadas inspirações, através do conhecimento adquirido nas histórias, autênticas, favos cheios de palavras agradáveis. As fotografias do Rodrigo, o vídeo por ele realizado, delas próprias. Não queriam acreditar no que viam, trabalhando as linhas, a regenerarem memórias em palavras. Soliloquiando enquanto a agulha puxa a linha no pano, motivando-se para continuarem a escrever a sua história até ao fim. Os olhares da Susana e da Clara, cheios de brilho, orgulhosas do trabalho desenvolvido diariamente no seio destas mulheres, merecem-no estar, estão a criar raízes afectivas nas aldeias da minha terra. Estão a causar  oportunidades, a chamarem outras. A «Manta de histórias» é uma consequência das viagens e andanças, a união das histórias com os leitores. O futuro, com novos leitores, a Cres.ser nas aldeias da minha terra.

04.06.25

Duas mulheres ...


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O sol bate na biblioteca ambulante, na rua, um velho segue o traço preto, orientando-o em direcção ao Centro de Dia. Onde ficará até ao final da tarde, depois chega a noite, não vem sozinha, a solidão instala-se na casa do velho. É visita habitual, o velho não estranha, dialoga consigo próprio, com as memórias penduradas numa parede. A mulher há muito que partiu, na aldeia não tem mais ninguém, é no Centro de Dia que passa os dias, junto a outros na mesma condição. O mesmo acontece noutras aldeias da minha terra, velhos retirados. As nuvens regressaram, na aldeia da Barrada deslocam-se  lentamente sobre a biblioteca ambulante. Duas mulheres conversam, não as vejo, ouço as suas vozes. As palavras não se distinguem, só um ténue rumor permanece no ar, poderá ser uma conversa interessante entre as duas. Talvez, sobre a biblioteca ambulante, as histórias que traz às aldeias, ou sobre a mais recente notícia. A «Manta de histórias», o trabalho realizado por mulheres de algumas aldeias da minha terra. Na união de esforços da Cres.ser. Pedaços, memórias perpetuadas em tecidos gastos pelo tempo. A preparem a visita à exposição destes trabalhos no próximo sábado. Seria formidável se tal acontecesse, não só, com estas duas mulheres, com todos os leitores da biblioteca ambulante, com as pessoas das aldeias a encherem o mercado municipal, onde vão estar as mantas expostas.

03.06.25

Nunca adormecem, dormentes...


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Empurrada pelo vento abundante a ramagem do plátano grande, na aldeia do Vale Zebrinho, bate levemente na biblioteca ambulante. Embalando-a como as mães fazem com os filhos de tenra idade, as histórias deixam-se ir nos braços da árvore. A sonharem, nas viagens e andanças, nas famílias que as usam, no período que permanecem nas suas casas. No leitor que vivia sozinho, que as adaptou para ser feliz. Na leitora, no início inexperiente, depois, mais crescida no conhecimento adquirido na leitura. Nas aldeias, sabendo esperar pelas oportunidades, pelos leitores que as seleccionam. Na aldeia, o vento é o principal personagem, ao longe os latidos dos cães, disputando quem o faz mais alto, são simples figurantes, no vale. A paisagem verde ficou no passado, actualmente, são as cores, amarela e castanha, as dominadoras do cenário campestre que cerca a aldeia. O personagem principal é um exímio actor, não permite falhas a si mesmo, no texto que contém a acção. Por isso a biblioteca ambulante é um berço gigante a balançar as histórias. Nunca adormecem, dormentes estão aqueles que não lêem. As histórias estão de prevenção, a qualquer momento, um leitor pode abrir caminho pelo túnel de vento adentro, entrando com algum impacto na biblioteca ambulante. Prudentemente, as histórias abrem as folhas, percebendo o quanto o leitor necessita de folhear, ler. Agora o vento não está para balanços leves, furioso, sacode o berço gigante violentamente. Quer retirar as histórias do leito de madeira, desorganizar a ordem dos temas, arrancar as palavras. Impelir a biblioteca ambulante para a aldeia seguinte, a incluir palavras novas, no vocabulário das pessoas empenhadas na leitura.

 

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