Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

30.10.25

Morreram, trabalham longe da aldeia...


historiasabeirario

2025_1030_15064200.jpg

O dia corre abatido, como as águas do rio, pardacentas, a passarem debaixo da ponte. Passagem usada pela biblioteca ambulante nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. Até a aldeia parece moribunda, se não fosse o vento a agitar as folhas das árvores, diria que estava perante um cenário de um filme, onde personagens, e figurantes, aguardam pelo retomar das filmagens. As paredes brancas das casas, dos muros, são a única cor, um sinal, que não estão abandonadas, têm gente que não se vê. Espectros, aparências falsas, pessoas simples, que não se deixam observar. Morreram, trabalham longe da aldeia, saem cedo, regressam tarde, sombras na noite, habitantes da aldeia. O cantoneiro empurra o carro que contem os baldes, onde deposita o ruído da aldeia, as palavras que não consigo ouvir, as vozes escondidas pelo silêncio. Olha admirado para a biblioteca ambulante, para mim. O meu olhar é igual ao dele, no carro que impele, no rosto surpreso. Figurantes inesperados no filme que tinha tudo para ser real, com leitores, a pesquisarem autores e títulos na biblioteca ambulante. Pessoas atravessando o largo, o café Areias com clientes, as saudações dos transeuntes ao viajante das viagens e andanças, as conversas de circunstância, automóveis transitando de uma ponta à outra da aldeia. Atravesso a ponte sobre o rio, lá em baixo as águas encalharam nas pedras, na areia, os barcos há muito que se foram, as pessoas nunca as conheci, não me lembro dos seus nomes.

29.10.25

SOMOS BIBLIOTECA ...


historiasabeirario

2025_1029_15524600.jpg

O odor a terra molhada a penetrar nas minhas narinas é um antibiótico combatendo as ausências dos leitores. A colheita da azeitona, a chuva forte, nestes últimos dias têm contribuído para o escasso movimento no interior da biblioteca ambulante. O vale, a charneca que o acolhe, estão em sintonia com o outono, O cheiro da terra, o céu pintado de nuvens, a cor da paisagem, impedem  os dias de serem menos bons, nas viagens e andanças. Tudo faz parte das situações do viajante das viagens e andanças, a imprevisibilidade, ser surpreendido, as relações de proximidade, o silêncio nas aldeias. Dias importantes para reflectir o futuro, a biblioteca,  sem pedir opinião modificar-se, gasta-se sem regra, o que sustenta as observações minuciosas, sobre autores, tradutores, edições, páginas de rosto, a entidade de cada livro. Pensar a continuidade profissional nos dias vindouros, daqueles que deram sempre o seu melhor a servir a leitura. Difundido livros e autores, tratando-os com responsabilidade e respeito. Satisfazendo os pedidos, aconselhando as leituras, dos leitores, dos frequentadores de bibliotecas. Continuamos a estabelecer a ligação das pessoas ao conhecimento, promovendo através das histórias a inclusão social no seio da biblioteca. SOMOS BIBLIOTECA.

28.10.25

Não sabem se serão as últimas ...


historiasabeirario

2025_1028_14320000.jpg

2025_1028_14312200.jpg

2025_1028_14305400.jpg

- A minha mãe fazia assim! Ouve-se no pequeno espaço uma voz isolada. Logo outra se faz entoar mais alto. - A minha avô colocava meio litro de azeite... Mil uma receitas podiam ser descritas naquele momento no grupo de mulheres, leitoras da biblioteca ambulante, enquanto preparavam as broas. São pequenas histórias de vida, memórias, amassadas por mãos calejadas por anos de trabalho rural, continuam a manter os costumes, sem a inquietação dos outros tempos. A remontar, transmitindo, as maneiras de viver ao longo dos tempos na aldeia, são guardiãs do legado tradicional. Não sabem se serão as últimas, não acredito, no seio familiar haverá quem continue a escrever na massa a passagem do Dia de Todos os Santos. Homenagear os mortos, aqueles que deixaram conhecimento às gerações actuais. Bibliotecas humanas ao serviço da comunidade, onde o viajante das viagens e andanças procura encontrar histórias escritas,  nas linhas, da vida destas mulheres.

23.10.25

O sol ainda finge que é verão ...


historiasabeirario

2025_1023_07295000.jpg

Pelos caminhos das viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, aqui e ali, surgem pequenos oásis protegidos pela sombra das oliveiras. Não são mais do que panos verdes estendidos, acolhendo a azeitona expulsa pelos paus compridos que as mulheres e homens empunham. Batalhas desiguais entre aldeões e frutos oleosos, desenvolvem-se por estes dias nos campos das aldeias da minha terra. A progressão é lenta, conquistar áreas de olival, subir e descer socalcos, limpar as folhas, e apanhar a azeitona rendida no pano, não é para qualquer um. Trepar a árvore para chegar aos frutos menos acessíveis à ponta dos paus, é necessário algumas vezes, quando estes se defendem no cimo da oliveira. A queda é sempre possível quando um pé resvala num ramo, o desequilíbrio pode acontecer a qualquer momento. A descida abrupta pode ser o fim do conquistador, com a árvore a vencer desta vez. Muitos destes guerreiros e valquírias possuem idades avançadas, demasiado para trabalhar no campo. O sol ainda finge que é verão, não é problema para os ossos destas pessoas de pequenos rendimentos, labutam nos terrenos recebidos dos predecessores sempre foi assim. Há que os tornar rentáveis, embora com o passar dos anos está mais difícil às gerações mais novas conseguirem a continuidade deste trabalho ancestral. Nas aldeias da minha terra, nas comunidades vão-se ajudando uns aos outros quando é possível. Há quem tenha de pedir ajuda aos filhos, afastados da aldeia, nos anos em que a azeitona é muita. Nos dias de descanso semanal, regressam para cooperarem na tarefa, levar por diante a tradição aos seus filhos. Depois, o destino desconhece-se...

22.10.25

Conhecendo a História ...


historiasabeirario

2025_1022_10010700.jpg

As nuvens sobrevoam aceleradas sobre a biblioteca ambulante, tapando o sol, o brilho feroz dos seus raios são lâminas afiadas, ferindo a vista quando o enfrento. Mas, quando um grupo de crianças entra na biblioteca ambulante, acompanhados pela professora, as nuvens voltam a encobrir o sol, dando a vez, há luz. Disseminada pelos olhares das crianças na direcção da professora, explicando a disposição das histórias na biblioteca ambulante. Depois, sentam-se no chão, cada um com a sua história, partem, visitando-a, saltando de folha em folha, brincando com as ilustrações. A luz desapareceu de vez, quando as nuvens não se moveram mais, foram-se embora, a chuva pode cair a qualquer momento, o almoço também espera. Mesas cheias de meninos e meninas a comerem, sopa de letras, cozinhada na biblioteca ambulante. As árvores estão perturbadas, a cor muito escura do céu estão a deixa-las desassossegadas, a ramagem agita-se impulsionada pelo vento. Opõem-se à força do vento, aos queixumes do tempo, da situação do clima, do presente, completamente virado do avesso. Há esperança nos mais novos, naqueles que estiveram há pouco na biblioteca ambulante, experimentando as histórias, alguns a primeira vez a manusearem objectos comunicacionais. No início as letras grandes, os bonecos, animando os pequenos leitores, empurrando-os para outras aventuras. Conhecendo a História, respeitando a História que estão a criar.

 

21.10.25

A chuva, chega e parte ...


historiasabeirario

2025_1016_17362700.jpg

Os guarda-chuvas, balançam conjuntamente com a passada de quem os segura abertos. Protegem-se da chuva, uns mais acelerados que outros. Daí, o motivo dos movimentos variados que os chapéus de chuva fazem, danças coreografadas por aqueles que os seguram na mão. A rua é um palco gigante, onde os bailarinos alegres, partem e chegam. A biblioteca ambulante, projecta a grande distância um intenso feixe de luz, direcionável, iluminando o palco ao seu redor. Atraindo os bailarinos, os espectadores, andam à volta, sonham entrarem um dia nos bastidores. Não o concretizam por desconhecerem, não acreditarem na ilusão, no disfarce, na forma exterior das histórias. No que existe de facto na escrita, nas ideias expressadas nas palavras dos magos, que as desenvolvem desde os primeiros tempos da existência da representação do pensamento por meio de sinais combinados. A chuva, chega e parte, nos espaços em que não se dança, os leitores, a conta-gotas, entram na biblioteca ambulante. Buscam na nuvem a água, transportada para matarem a sede, esta desenvolve-os. Crescem a bebe-la alicerçando raízes no conhecimento sobre o passado, compreendendo o presente, ou mesmo adivinhando o futuro.

 

 

17.10.25

É o outono a estabelecer-se ...


historiasabeirario

2025_1017_14141700.jpg

As nuvens aproximam-se, do lado de Espanha nem bons ventos nem bons casamentos, seja o que Deus quiser, dizem os da aldeia. É o regresso da chuva às aldeias da minha terra, água para matar a sede nos campos, ressequidos por demasiados dias de muito calor. É o outono a estabelecer-se, o frio, as geadas, que tanta falta fazem para eliminar alguma bicharada que atrapalha o crescimento das culturas do inverno. Não há inteligência artificial (por enquanto?) que altere as intenções da natureza, sem vento as nuvens lentamente avançam na direcção da biblioteca ambulante. No lado oposto, o sol bate violentamente nas costas do viajante das viagens e andanças. Como se fosse ele o culpado de tão grande ameaça. O som da televisão vindo do café não deixa o silêncio triunfar, os jornais (generalistas, desportivos, locais) ficaram em cima das mesas, por isso, não se ouvem as vozes dos clientes. Interromperam o jogo das cartas, só têm olhos, agora, para as notícias, quando o acesso é possível, a magia da leitura, independentemente do conteúdo, acontece. Os poderes da biblioteca ambulante servem as pessoas das aldeias, a popularidade converte-os em leitores. Até os ocasionais, como estes frequentadores de cafés. Insistindo todas as vezes que se demora na aldeia, talvez, um dia, entrem na biblioteca ambulante. Descubram outras leituras, assuntos diferentes, conheçam pessoas novas.  

16.10.25

Panos verdes estendidos ...


historiasabeirario

2025_1016_14314700.jpg

O sol em cima da biblioteca ambulante, não tem clemência pelo bibliotecário, pelos personagens que tomam parte das acções nas histórias. No meio, reduzidos a traços de tinta, no interior das páginas, suplicam para que o tempo passe depressa na aldeia de Martinchel. Não querem estar no lugar improvisado, o de sempre ficou indisponível, ao colocarem pilares. Impedindo o acesso ao exíguo largo situado defronte da estrada que nunca dorme. O abuso de alguns, impede o estacionamento provisório nos dias de visita à aldeia, da biblioteca ambulante. Fica a saudade, da sombra das tílias, do perfume das suas flores, dos olhares, surpresos, de curiosidade, dos condutores quando deparavam com a biblioteca ambulante diante deles. Não quero ficar com saudades dos leitores, o farol continua aceso, basta estarem atentos para o localizarem. Não há vagas que impeçam a atracagem dos leitores ao cais das viagens e andanças. Prepara-se a vela no mastro principal para conduzir as leituras para a frente, enfrentado as palavras mais fortes no mar das histórias. A sombra das oliveiras não é suficiente para proteger do sol, os que andam a colher azeitona. Panos verdes estendidos no chão, toalhas, onde não há água salgada, ideais para acolher o fruto das oliveiras, expulso pelas vergastadas dos paus. Alguma vez se imaginou realizar campanhas de azeitona, quando a praia continua a atrair interessados em apanhar sol, deitados em cima de toalhas de praia.

15.10.25

Para as aproveitarem no fio...


historiasabeirario

2025_1015_10313800.jpg

Outro dia brilhante está na calha, o calor virá mais tarde, depois do almoço, causando o momento mais penoso. Até lá, a biblioteca ambulante aproveita a manhã moderadamente fria, os sorrisos alegres dos leitores, os gritos nervosos dos gaiatos do infantário quando entram na casa das histórias. O vai-vem do quotidiano das pessoas da aldeia. Tentam realizar o mais possível, as tarefas rurais, maquilharem as paredes dos muros, disfarçando a passagem do tempo. Encontrarem-se na rua, falarem abertamente debaixo da cúpula azul, sem receios, do barulho do silêncio, da interrupção temporária da inquietude dos pássaros. No Cabrito os automóveis não se cansam de transitar, atravessando o largo, no café ainda se bebem cafés, ouço o som do porta-filtro batendo, expulsando as borras do café anterior. Limpam-se as mesas da esplanada, os vestígios da presença dos clientes. O céu desanuvia-se aos poucos do rasto dos aviões, são marcas de outras viagens, mais longas, umas para sempre, outras de ida e volta. Iguais às viagens nas histórias, umas que valem a pena reler, outras que ficam para sempre no destino. Hajam passageiros para as aproveitarem  no fio dos dias.

14.10.25

A teimosia do calor ...


historiasabeirario

2025_1012_15092700.jpg

Outro dia soalheiro ajudando aqueles que desempenham os trabalhos no campo. Cortam-se troncos, ramos espessos, transformando-os em lascas de lenha. Utilizadas na lareira, aquecendo os lares nos dias frios do inverno, mesmo nos mais agrestes que o outono também traz. Nestes dias o fogo é rei, dá ordens para que o alimentem, mantendo assim a festa, as faúlhas dançando, ao som, dos ritmos dos estalidos da lenha. O silêncio é quebrado pelo barulho da combustão, o clarão é uma presença assídua, do raiar do dia, ao meterem-se na cama. Melhor seria uma história estar no lugar certo, no momento em que é necessário abrir a porta, deixar passar sem entraves a fantasia descrita nas palavras. Muitos dias são passados nas aldeias, alimentados pelo fogo, apaixonados pelas letras, suportando o isolamento no calor intenso das histórias. A teimosia do calor não permite a imposição dos dias tristes na meteorologia, e brilhantes na leitura. Vamos esperar que as passageiras do vento se unam fortemente para esvaziarem as águas. Como os tinteiros, esgotam a tinta no calor da escrita de uma história.

 

Pág. 1/2