A charneca está convidativa para ser explorada, caminhar nos trilhos é uma boa opção, de máquina fotográfica à tiracolo, empunha-la para perdurar um momento, uma paisagem, um pequeno animal silvestre capturado de surpresa, este ficará cativo na imagem fotográfica para sempre. Só assim conseguirão continuar a manter as espécies, os disparos fotográficos não deixam rastos de chumbo, de morte, eles seguram depoimentos da vida animal nos terrenos onde crescem plantas rasteiras e (...)
A padeira buzinou a carrinha ao mesmo tempo que o som arrastado do gato a miar, na laranjeira a fruta desprende-se do cordão umbilical puxada pelo vento. O homem preferiu o pão às histórias, compreendo-o, a barriga em primeiro lugar, o resto pode esperar. E é o que a biblioteca ambulante constrói diariamente, a criar hábito na leitura, não é fácil, também não é impossível, o edifício ergue-se devagar, com as fracções a serem ocupadas progressivamente. O sol há muito que (...)
Outro dia com as mesmas histórias a serem lidas em aldeias diferentes a norte e a sul. A ponte, estrutura importante para transpor o rio Tejo, dá acessibilidade à biblioteca ambulante, há vizinhança que habita em ambas as margens. Há sempre histórias verdadeiras para trazer, da feira anual de Alvega, dos vestidos de seda estreados por cada uma nesse dia. Arrumados nos roupeiros, não os perdiam de vista nos dias que antecediam a feira, prognosticando como lhes assentariam no (...)
No largo, a biblioteca ambulante e o banco de alvenaria são lugares de saberes, ambos são procurados na aldeia. Diferentes na obtenção e nos assuntos, optei pelo segundo a ouvir o Francisco enquanto esperava a padeira. Homem de noventa anos, segundo ele ainda há meia dúzia de pessoas na aldeia, as mulheres estão em casa, os homens trabalham. A mercearia e o café fecharam, influência da pandemia, abalaram as pessoas que frequentavam os estabelecimentos, no verão à noite (...)
Hoje trago roupa suficiente para enfrentar o ar gelado nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. Os constantes avisos meteorológicos na rádio, na televisão, avivaram-me, logo de manhã quando pus os pés no chão frio do quarto pensei primeiro na roupa que teria de usar, um escudo eficaz, oponente ao excesso de frescura. Neste momento no meio termo do dia, a camisola de gola alta, de lã (até às orelhas) que envergo, faz-me lembrar que estou dentro de um (...)
Uma caravana de nuvens esconde sem pressa o céu azul, está assente o regresso da chuva ao território das viagens e andanças com letras. O pequeno largo acolhe a biblioteca ambulante, a padeira pouco se demorou, dois clientes, partiu a tocar a buzina, a despertar os mais distraídos que o pão está de passagem. O frio não traz ninguém para a rua, há bem poucos dias andavam os velhos nas hortas, ao sol, sachando, plantando couves. Penteavam a terra com as enxadas, a pouca força (...)
De manhã a mão direita estava atordoada, não obedecia ao impulso de querer rabiscar qualquer coisa, o frio atrasava os movimentos. Este não retardou as leitoras, numa azáfama a explorarem histórias que lhes dêem condimento e sabor, a leitura é um prato para ser consumido com prazer. A tarde trouxe ideias para continuar a escrever, o sol está receoso, as nuvens ao largo não o deixam sossegado, a qualquer momento poderá ser absorvido por estas. As mulheres na rua andam (...)
Alguns dias de descanso bastaram para causar um engano no itinerário no primeiro dia das viagens e andanças. A resposta da biblioteca ambulante, em pouco tempo, atravessou aldeias, possivelmente a fomentar interrogações nos leitores que a possam ter avistado nas suas aldeias, rápida a furar a espessa névoa nalgumas zonas, a estender a aceleração nos vales para se obstringir na charneca perante as imagens pouco claras das árvores que se aproximavam da estrada de uma maneira (...)
Os campos acumulam charcas instantâneas onde as cegonhas se recreiam, as bermas que ladeiam a estrada levando a biblioteca ambulante não conseguem suster a água, atravessando a mesma sem vergonha ao ponto de a submergir. As ribeiras transformaram-se nos rápidos do Grand Canyon. A charneca é uma cascata enorme, a água brota em todo o lado, nasce do interior da terra, rasga trilhos, causando enormes fissuras longitudinais. Homens e máquinas não param, limpam os caminhos de água e (...)
A ausência e o frio são personagens que deambulam no largo, a chuva faz parte do lugar, depois há os papeis secundários. Um cão atravessa o largo velozmente em perseguição de um automóvel, advinho que o dono do mesmo saiu sem o convidar para o passeio. Este tendo em conta a desconsideração daquele que considerava ser o seu fiel amigo, não fez súplicas e desprende-se a correr no seu encalce. Os primeiros desta acção voltam a ter papel preponderante na história. Um ligeiro (...)