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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

A estrada continua a levar a biblioteca ambulante às aldeias da minha terra, o dia resignou-se aos momentos da chuva.  À vontade de molhar tudo, puxando as pessoas para locais onde não se deixam ver. Ousam andarem na rua debaixo dos guarda-chuva, ou correndo para minimizarem a molhadela, não arriscam entrarem no espaço das histórias. Os automóveis passam pela biblioteca ambulante estacionada, a velocidade excessiva para uma rua na aldeia das Bicas, sacode as páginas das (...)
O sol está toldado, apanhado de surpresa na desaceleração repentina do verão, a marca da travagem está representada nas pessoas a usarem casacos com pouca espessura. Nesta semana, nos dias infernais, saíamos para a rua  livrando-nos da roupa possível, tentando estarmos mais confortáveis. O vai-vem do planeta está cada vez mais instável, as viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, são fortemente influenciadas pela ausência da firmeza climática. As (...)
Pela manhã não foram os 35º de temperatura a demover o viajante das viagens e andanças de iniciar a semana a levar as histórias aos leitores. A primeira paragem do dia foi no Centro Social de S. Miguel do Rio Torto, ouvir o que os mais velhos têm para contar. Infâncias sem escola para alguns, as mulheres foram as que tiveram menos instrução, famílias alargadas, onde os irmãos mais velhos tinham o privilégio de se sentarem nos bancos da escola. Os restantes, ficavam em casa, (...)
O ar está impregnado de fumo, não se vê mas o cheiro não engana ninguém. O frio obriga os aldeões a  armarem as lareiras, e as salamandras com lenha, logo que se levantam às primeiras horas do dia. Ainda as brasas do dia anterior não arrefeceram já as chamas voltam a dançar, só assim se consegue manter as casas quentes no inverno. É iminente que a chuva está próxima, olhar para o céu é como ver uma página rasurada, a tinta azul que traça a abóbada por cima de nós mal (...)
O sol está encolhido, tento descobrir a áurea sem sucesso, o nevoeiro muito unido impede a sua visibilidade, uma barreira impossível de transpor. Na rua as pessoas andam vergadas  com as mãos nos bolsos, apressadas a fugir do frio. A caminho das aldeias da minha terra, no alto do meu lugar de condução da biblioteca ambulante sou um privilegiado por conseguir mesmo a fugir, observar pequenas actividades laborais ao longo das estradas que levam as histórias. As mulheres que (...)
A chuva não abrandou, o rio de palavras continua enredado pelas aldeias da minha terra, afortunados são aqueles que a recebem. Aos poços que a recolhem, a água não lhes faltará, cheios, reflectirão as palavras que estão por ler, histórias mal contadas, vidas amarguradas pelo trabalho excessivo no campo. Rostos marcados pelo sol, mãos fendidas acostumadas à suavidade das páginas das histórias que os equilibram dos direitos que não lhes são atribuídos. Gente que não se (...)
A corrente afiada impulsionada por um motor ensurdecedor no limite do desempenho não se cansa de rasgar a lenha seca. O braço longo de ferro, da máquina pesada, retira pedaços enormes da camada amontoada de troncos  que foram árvores  para os colocar junto dos homens que os reduzirão ainda mais, transformando-os em lenha para as lareiras. Tem sido assim o trabalho nas última semanas a dispor com antecedência da energia renovável e sustentada. Na estrada não é difícil de (...)
Na aldeia das Bicas a temperatura está como a água na panela para a sopa. Os leitores e as leitoras  trouxeram os ingredientes para o caldo de letras, misturados, mexidos e temperados darão colheradas saborosas de leitura. As palavras e as frases serão engolidas sem insistência, o contrário acontecia quando éramos pequenos, as mães segurando a colher cheia, contando histórias para abrirmos a boca. Mas as histórias pedem mais tranquilidade, as letras não se esgotam na (...)
Hoje vi uma lebre a atravessar a estrada, não deu para perceber se corria ou saltava, tal foi a sua súbita aparição.  Como surgiu, desapareceu apressada para a floresta, aflito fui à história verificar se a lebre estava na corrida com a tartaruga. A lebre dormia e a tartaruga vagarosa lá ia, não me deixou fechar o livro sem uma piscadela de olho, como a querer dizer,  temos que ser persistentes no que pretendermos alcançar. A tartaruga e a biblioteca ambulante, ambas a correr (...)
O dia tristonho e um pouco de mais frio é sinónimo de poucos leitores na biblioteca ambulante. Os que aparecem, são aqueles, que em primeiro lugar está uma boa história que os ocupe e desocupe ao mesmo tempo do quotidiano diário. Descansar olhando as letras, seguindo as palavras, compreender, o entusiasmo, a curiosidade de como termina a página, o capítulo, a história. São momentos imperdíveis naqueles que adoram a leitura. Um exercício para a mente, uma viagem, mais (...)