O sol no largo do Cabrito está forte, as esplanadas dos cafés estão localizadas estrategicamente como as guaritas, vigiam quem atravessa ou permanece no espaço. Assim conseguem ter sempre gente, bebem café, fumam cigarros até à incandescência da chama. Falam sem parar, do desconhecido, das pessoas, olham o tempo a passar sem aproveitar a presença da biblioteca ambulante. Vozes imperceptíveis saem do café, querem fugir dali para fora, agarram-se aos ouvidos de quem por aqui (...)
Nas aldeias que se cruzam na passagem da biblioteca itinerante, as ruas mais importantes estão enfeitadas com fios que as atravessam perpendicularmente de um lado ao outro. Nestes, triângulos coloridos, pendurados, seguidos uns aos outros, balouçam a informar os forasteiros que a aldeia está em festa. Muitas destas ornamentações é o que fica dos festejos já realizados, sobrevivem as memórias dos dias alegres, dos filhos que estiveram presentes, dos desconhecidos que passaram (...)
O ar quente apoderou-se das histórias no interior da biblioteca ambulante quando as portas se abriram. Pouco tempo se manteve cálido, ao entrarem as crianças trouxeram a frescura da idade, sorrisos de ingenuidade, encheram o lugar de felicidade. As histórias não paravam de andar de mão em mão, grandes de mais para tamanha tarefa, tinham dificuldades em pesquisarem letras e palavras. A professora ajudava como podia, de um lado para o outro abrindo as histórias, libertando os (...)
Outro dia em que o sol brinca às escondidas nas viagens e andanças com letras, na aldeia do Brunheirinho um cão ladra desde que a biblioteca ambulante estacionou. A carrinha do padeiro passou perto, mais à frente uma mulher aguardava a sua chegada, recebe um saco com pão, ambos desapareceram quando voltei a olhar para o local. Com as histórias não é assim, a vontade de ler não é igual à vontade de comer pão, a biblioteca ambulante não é apressada, aguenta com tranquilidade (...)
Hoje encontrei o Neto, colega dos tempos do liceu, já nos tinha-mos avistado noutras ocasiões, ao longe, acenando com a mão. Ele a conduzir a sua carrinha ambulante a vender enchidos, azeite , massas, fruta, dando um pouco de atenção aos velhos, auxiliando-os na entrega dos alimentos. Na biblioteca ambulante o viajante das viagens e andanças a levar histórias. Encontramo-nos na aldeia do Brunheirinho, ele atarefado com uma cliente, eu acreditando que apareça algum leitor. O Neto (...)
O mundo mudou, as viagens e andanças pelas aldeias da minha terra continuam inalteradas, a tranquilidade prossegue na estrada que leva as histórias. Os animais pastam indiferentes às máquinas agrícolas, conduzidas por homens sempre a olhar na traseira do tractor, adivinhando o que poderá ainda chegar do lugar onde se levanta o sol, esventram a terra sem humidade. Um homem arremessa sementes na terra, noutra outro atira bombas, a discordância entre o nascer e o morrer é (...)
Na charneca a névoa rompe por entre os sobreiros, mais à frente em campo desobstruído as ovelhas pisam o chão gelado sem erguerem o focinho. A erva tenra não as demove, levam a eito o tapete natural, alguns leitores da biblioteca ambulante, quando pegam nas histórias e abrem as páginas são assim. Quando abrem as páginas das histórias, de rosto fixo na história, pegam nas palavras puxando-as, trazendo personagens, emoções, sentem prazer a ler. Seria bom se todos (...)
No rádio toca " Shape of my heart " do Sting, um anestésico para a chuva que se manifesta de forma intensa, a viagem prossegue, no traço preto infinito que divide a planície onde cavalos e ovelhas indiferentes à passagem das histórias levam a eito a erva tenra do pasto. Repentinamente uma cegonha voando baixo, sobe como se estivesse numa pista de um aeroporto e se posiciona ao lado da biblioteca ambulante, batendo as asas paulatinamente, as histórias não podiam ter melhor (...)
A chuva agarrou a biblioteca ambulante, a manhã ainda sorriu, mas foi de pouca dura, as duas chegaram unidas à aldeia do Vale das Mós. Foi de mãos dadas que as viram chegar, os homens fumavam cigarros debaixo da lona que cobre o acesso ao café, de olhar tristonho viraram as cabeças à passagem da biblioteca ambulante. Lá dentro as histórias não prevêm que o dia seja de leitores a aparecer com vontade de as levar. Está frio, a água gelada que escorre abundantemente das nuvens (...)
Sentados em cima das folhas caídas das árvores da floresta que os envolve no imaginário das histórias, escutam atentamente a professora. Olhos encravados nas páginas ilustradas que progridem devagar sob o impulso da mão habituada de tão digna tarefa. Interrompem apontando para os bonecos que os cativam mais, soltam palavras, das quais algumas só os mais atentos compreendem. Aprendem outras ainda desconhecidas no seu frouxo vocabulário, participando na história lida (...)