O dia amanheceu frouxo, poucos automóveis na estrada, a ausência de pessoas nas ruas, possivelmente a recuperarem dos últimos dias de festa, receando talvez a chuva aproximando-se. Na aldeia estas hipóteses não têm pernas para andar, na exígua esplanada do estabelecimento os homens sentados estão animados, seguram as minis como quem agarra um troféu, e quanto maior for a sequência destes levantamentos direccionados à goela, mais vencedores são. Hoje não querem saber de (...)
As árvores despem-se sem pudor, na sensualidade das folhas a caírem após despegarem-se daqueles que foram os embriões das suas curtas existências, espirais ao redor de uma vara imaginária, num bailado no qual os meus olhos se enamoram. A serenidade das cores acompanha a despedida tranquila destes pedaços cheios de nervuras, filamentos que transportaram vida terminam no chão frio e molhado. A agitação do vento parou, agora é tempo de colocar os enfeites de Natal no (...)
Podia estar a olhar a chuva que cai sem bondade, mas não é bem assim, a fotografia foi roubada ontem debaixo de um sol tímido ao início da tarde. Ao fundo a pesquisa avança vagarosamente, alguns factores a ter em consideração para a escolha acertada. Entre eles a estatura das letras, a vista há muito que perdeu dinamismo, excepto nos olhares transmitindo gratidão, e tranquilidade. Conseguem interpretar a história com passividade, a pouca intensidade da vida que atravessam (...)
As azeitonas estão pretas nas oliveiras, o fumo das chaminés foi denunciado pelo odor que não deixa ninguém indiferente. A tarde amena não aguenta o fogo da lenha a arder nas lareiras, o frio não se impôs para tamanha ousadia neste outono chuvoso. Os ossos dos velhos não resistem à queda das folhas, eles e as árvores necessitam de energia, à noite a determinação da temperatura não é a mesma, persuadindo o frio a despertar. As lareiras passam a ser as rainhas das (...)
A manhã quase a chegar ao termo do crescimento e nós metidos onde todos os dias se negoceia a escolta do peixe, e da carne nos pratos das refeições. Com espaço ainda para café e bebidas frescas, sempre guiadas com boas conversas, foi o que viemos estimular. Uns estão sempre, cada vez que a biblioteca ambulante aqui permanece, apareceram outros para ouvir a leitura da história. Devagar, como se adicionassem pequenas moedas para pagar o pão, os ouvidos interiorizam as palavras, o (...)
A dinâmica que um jornal exerce em quem o lê impressiona, a leitura emparelhada, comentada em simultâneo entre o folhear teimoso das páginas sem força para enfrentar a suavidade da aragem. A leitura não lhes diz nada, as histórias nunca conseguiram atrai-los, mas o jornal, a descrição do movimento que a bola leva, a finta, o passe, o remate e o golo. É o mundo deles, ouvindo-os, percebo que são jogadores de palavras, de certezas, jogam melhor que os intervenientes do artigo de (...)
A sombra da oliveira não se estende o suficiente para proteger as histórias da atroz temperatura do sol. Os dias nas aldeias da minha terra nesta época do ano são quase sempre infernais, só a resiliência de alguns leitores, atenuam o calor bravio. É por eles que a biblioteca ambulante consome o alcatrão das pequenas estradas que levam as histórias. Também o é pelos outros que a espreitam, ainda sem afoiteza para se aproximarem, a curiosidade é evidente. Todas as vezes que a (...)
Mata-se a sede, exploram-se as novidades da aldeia, tudo isto a acontecer sob o olhar das histórias na biblioteca ambulante. Dispostas nos seus lugares, as histórias ambicionam que os homens se juntem no espaço onde estão, muito mais há para conversar. Aqui conseguem ir para além da aldeia que os viu nascer, partir e acolher definitivamente, tantos foram os anos afastados da mesma. Assuntos que os porão a falar uns com os outros diariamente, conhecerão pessoas, cidades, aldeias (...)
A manhã vai adiantada e os homens sentados debaixo da sombra de um chapéu na esplanada do Mercadinho da Fonte, não se engasgam no mata-bicho. Deixei-os a ler os jornais, assim fazem uma pausa, direccionei-os para a actualidade que nos rodeia. A biblioteca ambulante sempre que estaciona na aldeia das Sentieiras nunca se sentiu órfã de leitores, são sempre as mulheres que ganham aos homens na leitura, nunca chegam a completar os dedos da mão, nas aldeias da minha terra, eles pegam (...)
O calor inapropriado para o mês de Fevereiro é uma afronta a quem se sente bem com temperaturas amenas. O sol amedronta o frio e a chuva, cada vez mais se sobrepõe a tudo e prolonga o reinado exercendo um totalitarismo nunca sentido. Não quero acreditar que esta ausência de democracia no clima actual seja a consequência para a debandada de leitores na biblioteca ambulante. Nos dias em que a chuva entrava em conflito com o astro brilhante, acontecimento há muito distante, e o (...)