Amola tesouras
Ainda a numeração no calendário não tinha transposto o décimo segundo dia do mês já a água não parava de cair, sem grande estrondo, fina e gelada. Continuou apesar das pequenas pausas as nuvens nunca deixaram de lançar água. Nem assim a biblioteca ambulante desiste das viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra, dos leitores, dos encontros e desencontros. Na aldeia da Carreira do Mato, uma surpresa agradável, o som da gaita de beiços do amola tesouras entrou nos ouvidos do viajante das viagens e andanças, a melodia cada vez mais próxima trazia a companhia de uma bicicleta, equipada com uma pedra de afiar, tesouras, facas, de tudo o que é instrumento cortante, empurrada por um homem ainda novo. Muitas vezes ainda jovem, um homem assim percorria a rua onde cresci, uma oportunidade para a minha mãe e todas as outras mães que não tinham ofícios, afinassem as ferramentas que cortavam as sobras de tecido, com que preparavam as refeições. Que saudades! Por pouco convocava o homem da gaita de beiços, para viajar na biblioteca ambulante a anunciar o regresso das histórias às aldeias, o som maravilhoso enviado pelo aparelho suscita a curiosidade. Não são uma nem duas, as cabeças que surgem de portas ou janelas, espreitam as histórias, traídas pelo som daquele que aguça.