As letras intrometidas ...
A manhã fluía normalmente até à foz do meio-dia, as portas da biblioteca ambulante abertas de par em par convidavam os que passavam a entrarem, como sempre acontece. Gritos estridentes de crianças chegam aos ouvidos do viajante das viagens e andanças, a escola não reabriu, donde poderá vir o som animado cheio de candura, de brincadeiras. Sobre a passadeira de peões um grupo de crianças acompanhadas por zeladoras, ultrapassam a faixa alcatroada ao encontro das histórias. De um momento para o outro a alegria, as questões sobre livros, o trabalho realizado, encheram o pátio interior da biblioteca ambulante. Voltaram do avesso as palavras, com algum esforço as letras conseguiram agarrarem-se à unidade linguística da qual faziam parte. Unidas umas às outras pelas pernas não se perderam da linha condutora da narração das histórias, se acontecesse uma desgraça, e fossem cair noutras palavras onde não pertencessem, como seria. As histórias ficariam ilegíveis, os leitores não compreenderiam o que estava escrito. Instalava-se a confusão nas histórias, os personagens perdiam características, animais, árvores, plantas, pessoas, encarnariam aparências diferentes na leitura. As letras intrometidas transformariam um gato, num regato, a laranjeira em macieira, o girassol num farol, e pessoas em meloas. Dificilmente se conseguiria desenredar os enredos de palavras trocadas. Com a tarde veio uma fina camada de nuvens a cobrir o céu, com a biblioteca ambulante estacionada junto a uma passagem de nível esperando o comboio que não passou. Atravessou à minha frente e não o vi, saiu de uma história de ficção científica, viajando a grande velocidade, transportando histórias sem fim.