Casa do Adro
Um acontecimento infeliz fez com que voltasse ao Sardoal, tenho lá ido raramente, a duração destes recentes dias que lá estive, foi com toda a certeza superior ao conjunto de todos os outros ao longo dos anos anteriores. Encontrei as pessoas que sempre conheci, mais velhas mas as mesmas que me receberam bem. Ouvi histórias (sempre as histórias), recontaram-se outras que escutei com grande prazer, repentinamente como se um projector de slides expusesse, surgem imagens que a memória me devolveu de um tempo distante. Um período em que fui criança, onde todos os domingos ia ao Sardoal com os meus pais, a casa das tias a casa da avó Isilda à casa do Adro. Ainda me recordo de dormir num colchão de palha, na casa cuja rua vinha desembocar no pequeno largo da igreja da misericórdia. As visitas à casa do Adro, tantas vezes lá fui, tornou-se nalgumas vezes um dever. A sua cozinha com os velhos fogões a lenha, o largo corredor, onde não podia correr, mas andar devagar, pois a louça decorativa podia ser sacudida com o movimento veloz no soalho na direcção do salão. Aí, o piano e o cadeirão de baloiço eram os alvos da minha curiosidade. Dos seus arcos, descansa-se o olhar no vale da Mata, do seu terraço atinge-se Abrantes. A Semana Santa era fértil em pequenos incidentes, quase sempre os mesmos, pisar o tapete floral, que tantas horas levava a elaborar. A correria da sacristia para a igreja e vice-versa, por ali estavam esquecidas as pinturas do mestre, incógnitas na poeira do tempo. Felizmente, hoje são reconhecidas como grande valor na arte nacional. Fui figurante numa procissão da Semana Santa, trajando de São João, contrariado e envergonhado, com um exemplar de um cordeiro aconchegado num braço, e uma cruz tosca feita de paus de oliveira na outra mão. Lembro-me das refeições aparatosas nos casamentos realizados na garagen da casa do Adro, duravam três dias. Colocavam-se tábuas compridas nos cavaletes, substituindo tampos de mesa, as extremidades de outras assentavam nas cadeiras, substituindo os bancos. Toalhas de mesa de cor branca, cobriam-nas, dando um ar imaculado ao espaço. as paredes enfeitavam-se com longas folhas de palmeiras, depois colocavam as louças nas mesas improvisadas, tantos pratos e talheres, o almoço comportava três pratos, tudo era confecionado ali perto, matavam galinhas, borregos, a carne de porco era derivada da matança do mesmo, com o propósito da festa. Os passeios pelas ruas antigas do Sardoal, as idas à fonte férrea, às hortas dos tios, a taberna do Maltês cheia de homens a beber copos de vinho, A festa de Setembro junto ao Convento, das mulheres que ladeavam o acesso, a vender bolos, ferraduras, tremoços, pevides e pirolitos, enroladas nos xailes ao frio das noites de final de Verão. As luzes de muitas cores que iluminavam a área envolvente, amarelas, vermelhas, azuis, verdes, os pires cheios de batatas acabadas de fritar. Cresci, nas tardes de Domingo o café do Sá, era ponto de encontro por lá me distría na conversa com os amigos do Sardoal nos petiscos e nas imperiais. Afastei-me do Sardoal muito tempo, quis o destino que lá voltasse em consequência de uma infelicidade, tornei a cheirar o perfume das glicíneas que forram a casa do Adro, vi o seu jardim, calcorreei as ruas de pedra roliça, os edifícios que as ladeiam continuam os mesmos, carregados de histórias. A vila mantem-se intocável, na sua aparência externa, até o sol a despedir-se atrás do vinhedo da Quinta do Coro é o mesmo.