Deram-me o nome do rei da selva ...
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A erva molhada causa-me um transtorno enorme, a pastora pôs-me a mexer do lugar onde dormia, mergulhado na palha. Orientei as ovelhas, um trabalho cada vez mais exigente para a minha idade, são teimosas, corro de um lado para o outro, encaminhando-as para o rumo certo. Na direcção do prado a estrear de erva macia, um sítio bom para continuar a dormir, não fosse a chuva molhar o meu pêlo até aos ossos. Deram-me o nome do rei da selva, aqui não há floresta densa, há uma charneca, ao longo do vale, coelhos curiosos, lebres atletas, e outros animais. Quando era novo, quando não tinha a responsabilidade de proteger as ovelhas, instruí-las a dirigirem-se para os sítios preciosos, onde está a erva mais suculenta, corria atrás dos animais silvestres. Nunca consegui agarrar algum, desfiava-os, gosto da liberdade que têm. - Leão! Leão! Leãooooo! - A pastora não consegue estar sossegada, anda com uma vara atrás de uma ovelha, precisa da minha ajuda, lá se foi o descanso. Mais logo, de tarde, permanece ali em cima, junto do plátano grande, a biblioteca ambulante, se soubesse ler, iria conhecer as histórias. Talvez trouxesse algumas para ler, um olho para as páginas, outro para vigiar as ovelhas. A pastora não quer saber da biblioteca ambulante para nada, atravessa a estrada próxima das histórias, mas, só pensa no rebanho, a gritar com os animais, comigo, é a linguagem que sabe para comunicar connosco. Não sei se sabe ler, nunca a vi com um livro nas mãos, não expressa curiosidade quando encontra o homem, sentado na cadeira voltada para as histórias, a olhar para a inquietude da pastora sempre que leva o rebanho ao pasto. Como seria se a pastora fosse leitora assídua na biblioteca ambulante, talvez as palavras abrandassem a brutalidade dos seus gestos, a agressividade da voz, lhe moldassem o corpo. Dando-lhe formosura, ao ponto de os animais a olharem com suavidade, ou os homens da aldeia atirarem-lhe olhares voluptuosos. Isto não é troca de palavras para um cão, vou continuar a cuidar com atenção, a defender as ovelhas, é para isso que dão as sobras da comida, e de vez enquando, nos dias de festa, doutra, aquela que os cães na cidade comem.
