Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

19.03.24

Do esforço do viajante das ...


historiasabeirario

IMG_20240312_101229.jpg

FB_IMG_1710852501582.jpg

Subitamente, dou comigo a olhar as histórias mais recentes na biblioteca ambulante, destacadas, numa posição vertical, debruçadas nas estantes para o pátio das brincadeiras. Como elas, fixo o meu olhar para o mesmo sítio, a sujidade acumulada, vestígios de terra, minúsculos grãos de areias, espalhados no recinto, despertam-me, tenho que deixar a biblioteca ambulante no final do dia, nas instalações onde se limpam e lavam os veículos. O colega responsável pelo serviço irá acarinhar a carroçaria, colocar shampoo, e massagear a estrutura, pesarosa pelas intermináveis viagens e andanças.  Tem de ficar impecável, dentro de dois dias vai estar presente em Coimbra no 1º Encontro Leitura em Trânsito: António Quadros, da Academia à Comunidade, na FLUC. Já pensaram, na possibilidade dos resíduos dispersos pelo chão, trazidos nas botas, nos sapatos, das pessoas, dos leitores. Segredos, colados nas solas, escondidos dos olhares curiosos. Uma investigação minuciosa realizada por indivíduos trajando aqueles fatos brancos, com máscaras colocadas no rosto, e luvas nas mãos. Manuseando instrumentos, explorando os quatro cantos das histórias. Poderia descobrir a origem dos pequenos grãos, da camada mais superficial da crosta terrestre, arrastados pelo calçado dos leitores, dos curiosos, dos desertores da solidão, nem que seja por breves momentos. Descobrir quais as aldeias de onde são oriundos os leitores. As que estão mais afastadas da cidade, os lugares situados no interior do limite urbano. As impressões digitais de cada um, os comportamentos. O odor pairante, o sabor levemente salgado, de quem utiliza a biblioteca ambulante, praticantes de agricultura de subsistência, reformados, da gente que perdeu a esperança. Do esforço do viajante das viagens e andanças, diariamente a colocar em evidência, a visibilidade do serviço das histórias, às pessoas das aldeias da minha terra. A dificuldade de as puxar para cavarem nas páginas das histórias, do gosto de as ouvir, a falarem, desmanchando a timidez por aí abaixo. Mostrarem os sentimentos, seduzirem, relatando histórias sobre as aldeias, ou mexericos de uns e outros. Da responsabilidade de levar e trazer todos os dias a biblioteca ambulante a bom porto. De tarde a melodia do campo foi interrompida com a visita inesperada, na aldeia da Lampreia, um aldeão. Aqui raramente alguém visita a biblioteca ambulante, fiquei surpreendido com a presença do José. Reside na aldeia há pouco tempo, gosta do campo, disse, que aguardava o transporte público ocasional, para se dirigir à cidade, ao supermercado. Neste intervalo do seu tempo, descreveu a recente experiência de ver raposas a levarem o galo e umas fracas da capoeira, ou dos javalis serem visitas constantes no quintal da casa. Gostei de o conhecer, no futuro, quem sabe, não será leitor na biblioteca ambulante.