E nós o que somos no silêncio?
A ventania não me impediu de adormecer na noite de ontem, antes disso, bem desperto ouvi objectos serem arrastados pela força do vento na varanda. Calculei que fossem as espreguiçadeiras, até há pouco tempo arrumadas, foram estreadas com o sol dos primeiros dias de primavera. Os inseparáveis frio e chuva também não quiseram ficar escondidos, a lareira voltou a estar viva na sala, aquecendo o viajante das viagens e andanças. O dia acordou como se deitou na véspera, voltei à casa grande das histórias, os poucos que se deixam ver na rua, são os que se deslocam para os seus ofícios, como eu. Caminham rapidamente dentro dos agasalhos de inverno, rostos traçados por trejeitos derivados do frio, do período que atravessamos, sem sabermos a onde nos levará. Na casa grande, as histórias continuam nos mesmos lugares, a meia-luz, os seus títulos são imperceptíveis, o silêncio tornou-se no grande leitor. Terá tempo para ler todas estas histórias? Haverá nos diversos espaços da casa um silêncio para cada um? Percorrendo vagarosamente, escuto que o silêncio é diferente quando transponho os diversos limites da casa grande. Uns são mais absolutos que outros, o silêncio dos que cá estão desde os meados do séc. XVI, e o silêncio dos que vieram depois. Só as histórias não têm silêncio, quem as lê ouve através das palavras o que os escritores nos querem comunicar. Os personagens, as ilustrações, são os tranportes do pensamento de cada um. Os gritos, as vozes, as gargalhadas, os lamentos são as emoções, sentidas por nós ao lermos as histórias. E nós o que somos no silêncio?