Estimulando com o seu regador
Com o rio adormecido, a fauna que coabita nas suas margens preparando-se para um novo dia, e a Primavera a descansar, a biblioteca ambulante atravessa a ponte sobre o rio Tejo, no sentido norte/sul, nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. O destino é a aldeia do Vale de Açor, localizada na freguesia da Bemposta, rodeada por charnecas lotadas de plantas silvestres, esteva, giesta e rosmaninho, colorindo planaltos e colinas. A pequena povoação tem apenas um leitor, leram bem? Um leitor por quem a biblioteca ambulante agradece o seu compromisso cada vez que estaciona no lugar habitual na aldeia. A assiduidade é bem vinda, embora outros que se aproximam, não têm hábitos de leitura ou nunca leram uma história, felicitam o viajante das viagens e andanças, continuam na sua passada, vão às suas vidas. Fogem das histórias, talvez num dia há muito tempo lhes tenham contado alguma? Temem perder a rudeza, os dedos grossos das suas mãos gretadas pelas exigências do trabalho, perderam a delicadeza para folhear páginas carregadas de letras. Muitos não são ignorantes, possuem uma instrução básica, afastada dos livros, continuam teimosos no ingresso à leitura. As nuvens continuam a passar devagar, impulsionadas pelo vento já cansado, são viajantes, no seu interior levam água para regar, para matar a sede, trazem esperança. Assim percorre a biblioteca ambulante, matando a ignorância, estimulando com o seu regador de histórias os desabituados e os ignorantes, sempre com esperança.