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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

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Vai haver festa na aldeia do Vale de Açor, ultimam-se os preparativos, detalham-se pormenores, adicionando-se as bebidas nos respectivos lugares, estreitos e profundos. Resultantes dos glaciares, hoje denominados frigoríficos ou arcas-frigoríficas. Colocam-se copos, pequenos cilindros, usados durante a festa, contêm material destinado a inflamar a cabeça, a agitar as partes físicas dos aldeões, dos forasteiros, que irão estar presentes na festa. Envergando um resguardo de pano, preso à cintura para não sujarem a roupa, as mulheres novas percorrem de um lado ao outro o espaço onde se serve as bebidas e a comida. Dois homens, um transportado um escadote e outro uma série de lâmpadas presas ao fio que atravessará os limites da festa, olham para o infinito do céu, enquanto avançam no recinto. O som da música a sair dos altifalantes, envolve a biblioteca ambulante, causando movimentos frequentes e irregulares nas histórias. As palavras populares das cantigas que se ouvem, intrometem-se nas palavras das histórias. Seria bonito de se ouvirem as palavras das histórias a saírem dos altifalantes da festa. Áudio-histórias para todos os presentes na festa, a incendiarem a razão e a inteligência deles. A promoverem desejos de quererem saber mais, de verem de perto as histórias na biblioteca ambulante. O lugar das histórias, facilmente se adaptaria ao lugar onde se dança, com as letras, com as palavras. Os personagens a dançarem uns com os outros, a danças das estrelas, ou a dança dos dragões, são os primeiros que me ocorrem. A vida é um tango, é outro exemplo, nas aldeias da minha terra. Estas pessoas são estrelas num deserto escasso de oportunidades, são dragões, adversários do afastamento social, possuem a magia, a resistência à interioridade. São-lhes atribuídas tarefas seculares, com a agricultura sustentam o mundo. Há vida e morte, há paixões tímidas, sentimentos desagradáveis perante o temor da desonra ou do ridículo. Aqui morre-se um pouco todos dos dias. Retomando a festa, retiram-se barris da caixa aberta de uma carrinha, cheios de felicidade, de bravura e com gás suficiente para pôr as pessoas mais comunicativas umas com as outras. Há festa na aldeia, também há luto, ao longe avisto a mulher do Gregório trajando da cabeça aos pés, roupa preta, não me disse nada, ninguém falou comigo, fiquei a saber que o Gregório foi vinculado, para leitor nas bibliotecas do céu.