Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Não sei o fim da viagem

IMG_20200414_073653.jpg

 

O sol amedrontado, joga às escondidas com as nuvens, o vento só agora alcançou este bocado de Portugal. Chegou com fúria, sacode as recentes folhas das árvores do quintal de tal maneira, não fosse estarem bem seguras nos cordões umbilicais que as prendem aos ramos, teriam voado e rodopiado para lugares que nem eu sequer conheço. Sentado exercendo o meu teletrabalho, ouço o som produzido por um balde ao ser arrastado pelo domínio do vento, as portadas das janelas, batem com violência. Eu já vou bem agarrado com as duas mãos no limbo de uma folha, apoiando ambos os pés no pecíolo, para não cair em virtude da velocidade. O assobio do vento é a música que me faz companhia nesta viagem inesperada, olho para baixo e vejo os cavalos brancos com as crinas flexíveis, movendo-se de um lado para o outro no pescoço dos animais. Os patos no rio cá cima são minúsculos, só uma cegonha se atreve a voar perto da folha onde agora consigo planar, o vento não faz tanto barulho, a calmaria e o silêncio, são meus parceiros agora. Na folha que adoptei como veículo começo a conhecer os lugares que sobrevoo, os telhados das casas, onde passo nas viagens e andanças, são pontos alaranjados, envolvidos pela cor verde das copas das árvores e da charneca. Uns estão mais unidos, outros mais afastados, as torres sineiras das igrejas das aldeias, parecem foguetões apontados ao céu. O homem sempre quis cá chegar acima, com devoção à religiosidade foi construindo, no decorrer dos tempos, templos onde se destacam as estruturas indiciadoras disso mesmo. No vale perco altitude, consigo vislumbrar as linhas de água que o cruzam, todoas apontam ao grande rio ibérico, nas estradas, nos caminhos, nas ruelas das aldeias, não se vê ninguém. Não sei onde vou pousar, não sei o fim da viagem.