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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

23.01.24

No bairro o mexerico ...


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O nevoeiro esta manhã não motiva ninguém a sair de casa para vir à biblioteca ambulante. Só mesmo quem tem de sair, pelo trabalho, pela necessidade de adquirirem géneros alimentícios, irem à farmácia, tão comum nos dias de hoje, as vacinas, os medicamentos, inevitabilidades sem sucesso, pois continuo a encontrar pessoas a fungarem. Caminham na rua encolhidas, o frio pesa-lhes no corpo, sempre apressadas tentando escaparem às maleitas do inverno. Abri a porta grande da biblioteca ambulante, convidando a entrarem todos, os transeuntes trazem olhares distantes, ignoram o que os rodeia. Viajam com os pés no chão, a mente a milhas de distância, vidas anónimas, apoios para longas histórias de páginas intermináveis. O sol, descobre as ruas, as paredes brancas, os prédios, escondidas pela cortina espessa. No bairro o mexerico é corriqueiro, vejo-as de vassouras nas mãos, varrendo a más-línguas de que são alvo para a rua, na entrada dos prédios, dentro do carro, conquistando, aspirando, cigarros electrónicos, falando ao mesmo tempo umas com as outras, não sei o quê, não interessa. Preocupante é a biblioteca ambulante dar nas vistas, e não mostrarem qualquer relevância à presença das histórias. Um espaço cheio de intrigas, contidas dentro dos livros, se gostam tanto de curiosidades, vidas alheias, não há melhor lugar do que a biblioteca ambulante. Biografias, romances, jornais, revistas cor de rosa, filmes, suportes que nunca mais acabam, tudo isto tão perto. Não aproveitarem a oportunidade de continuarem a intriga é incompreensível. Cheias de novidades, nas futilidades enganadoras, deixam-me os cabelos em pé, não ambicionarem encherem a mente de enredos. Na pequena aldeia da Lampreia, dois homens sentados na paragem do autocarro, olharam a chegada da biblioteca ambulante com uma intensidade curiosa. Talvez nunca a tenham visto por estas paragens, ainda por cima, um veículo transportando lucidez. Expressando bem o que a traz diariamente às aldeias da minha terra. Não houve tempo de agirem, o transporte público levou-os. Foi virar uma página, acontece muitas vezes nas viagens e andanças, a esperança mora sempre ao lado, nos cafés, naqueles que andam na rua, nos que estão a espreitarem nas janelas, detrás das cortinas. Os que dizem que vêm, depois nunca voltam, há confiança de que algo de bom acontecerá sempre. Tudo tem o seu tempo, é o que não falta ao viajante das viagens e andanças. O jornal é bem escrutinado na mesa, na tarde soalheira, o leitor deste investe na informação, tira vantagem da presença da biblioteca ambulante.