O jornal ficou sozinho na mesa ...
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A leitura do jornal absorve o homem, ao mesmo tempo, o sol lhe aquece-lhe os pés enregelados do frio matinal. A biblioteca ambulante estacionada um pouco mais acima, testemunha a leitura do aldeão que nunca entrou no espaço das histórias, mas aceita sempre o jornal colocado pelo viajante das viagens e andanças na mesa. Não é preciso impor a leitura, só é necessário seduzir com os títulos bombásticos da imprensa escrita, depois ausenta-se a ler sem parar. Enquanto ali permanece desenvolve o conhecimento, fica apto para emitir opiniões acerca de temas diversos. As galinhas tagarelam de forma diferente, são os ovos que acabaram de colocar que as põem presunçosas, virando a cabeça na ponta do comprido pescoço, como se fosse um cata-vento. O céu está picotado por uma esquadrilha de nuvens, avançam lentamente, como os enormes dirigíveis cheios de gás. Não têm destino, vão para onde o vento as comanda, melhor comandante não há, para as dirigir a destinos indefinidos. Assim como a leitura lida pelo homem, impele-o a levantar-se rapidamente, a notícia mostrou-lhe algo que o pertubou, ou ultrapassou o tempo previsto para estar com tempo livre. Prometeu à sua mulher que adiantaria o almoço, esqueceu-se, o jornal prendeu-o, as letras pequenas espalhadas na folha obrigaram-no a fazer a junção, um puzzle com palavras. Um jogo de paciência com letras que têm de ser ajustadas umas às outras. Ora, isto leva o seu tempo, saiu disparado, como os atletas quando iniciam as corridas de meio fundo para ganharem a melhor posição no grupo. O jornal ficou sozinho na mesa, as folhas quietas, o vento a empurrar as nuvens não tinha força para mais. Pode ser que chegue mais alguém e o leia de uma ponta à outra como fez o homem que partiu apressado. Deixei de o ver quando dobrou a esquina da rua depois de ter subido um pouco, estaria a sua mulher já em casa, furiosa, sem a refeição adiantada. Agora como fará, o trabalho espera-a, e não há solução, só pode despejar a raiva com o homem, quando este entrar em casa. E foi o que fez, a rua ficou a saber o que se passou entre os dois, o jornal quer sair dali para fora, ir para o seu lugar no escaparate, na biblioteca ambulante. Não iria ser ele o causador da briga doméstica, a mulher não podia saber disso, não foi preciso tanto, ficou aliviado quando outro leitor o abriu e folheou, pesquisando notícias interessantes. A manhã podia ter terminado desta maneira abrupta para o homem, não foi assim, a imaginação puxou-me, e fui de livre vontade.