O mesmo propósito
Numa estufa, com o céu pontilhado por nuvens e fundo de um azul desfalecido, a biblioteca ambulante com as histórias ruma no sentido da aldeia da Água Travessa nas viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra. Com palavras refrescantes na dianteira, interrompo extemporâneamente a viagem, o "Carvoeiro" vagaroso rasga a EN2 com destino a Sines, diáriamente pouca terra para cá, pouca terra para lá. É assim desde os meados dos anos oitenta, abstecendo a Central Termoeléctrica do Pego com o carvão a gerar energia. No início do planalto, pouco antes de penetrar na aldeia de Bemposta (sede de freguesia), a cor vermelha dos pimentos anuncia que está para breve a colheita dos mesmos, ainda é uma extensão considerável. Mais à frente é alcançado o território onde sobreiros e carvalhos são dominantes, aqui sinto-me confortável, é uma terra mais rude, mas espaçosa e plana, as pessoas são as mesmas como as dos outros lugares visitados pelas histórias, mas há outras diferenças, os seus rostos têm sulcos, semelhantes á terra que pisam. Trabalham a terra ainda o sol dorme, chegam aos lares com a tarde abrigada entre o vermelho e o amarelo, extenuados carregando as mochilas onde repousam marmitas esvaziadas. As caras ainda encarnadas, da exposição directa sob acção dos raios flamejantes do sol mostram que não é fácil, alguns aliviam a garganta com uma cerveja fresca no café logo ali, combinam horários, nem sempre o trabalho é o mesmo. A terra é que manda, hoje pimentos, amanhã a courgete, depois a cortiça, assim andam durante o ano, alternando culturas e patrões. As histórias, ora uma aldeia ora um lugar, tendo leitores com as suas desigualdades mas o mesmo propósito, a leitura.