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Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

Histórias à Beira Rio, viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra

"Afinal, a memória não é um acto de vontade. É uma coisa que acontece à revelia de nós próprios." Paul Auster

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Há mais automóveis estacionados na aldeia, modernos, alguns usados pela primeira vez na visita à aldeia, nas férias. Há pessoas novas na rua, falam com um tom de voz mais elevado. São protagonistas durante os dias de descanso, nas casas dos avós, dos tios, nas casas fechadas... Após o regresso das famílias no verão, abrem-se portas e janelas, para deixarem sair as histórias da última vez que a usaram. O cheiro peculiar dos espaços não arejados também desaparece. Sai a solidão, entram sorrisos, as vozes, com pronúncia estrangeira, as novidades de quem regressa após longa ausência. A biblioteca ambulante provoca estranheza a quem nunca a viu estacionada no centro da aldeia. Olham-na de esguelha, não se atrevem a aproximarem-se, ou a entrarem. Sussurram palavras que não compreendo, pronunciam outras, do país que os acolheu, não estou atento ao que dizem, o importante são as histórias gerarem comentários. Duas jovens exploram as ruas da aldeia, montadas em duas bicicletas, passaram pela biblioteca ambulante, pareciam duas flechas indo num sentido incerto. Não quiseram, ou não estavam atentas ao melhor alvo que poderiam ter atingido. Imóvel, de portas abertas, com as aventuras do Robin dos Bosques, do Guilherme Tell, e outras histórias capazes de as ensinar a acertarem nos alvos futuros. O vento provoca um rumorejar desconhecido, olho desconfiado cada vez que o ouço, não vejo nada, são as palavras invisíveis, apontamentos, lembranças do passado, arrastando-se nas poeiras do tempo. O presente nas aldeias não tem palavras para o vento trazer nos dias vindouros. A morte leva os velhos, o isolamento das aldeias no interior, rouba os bebés à nascença. Enjeitados socialmente, fogem para longe, onde têm trabalho e segurança para construírem família. No céu há nuvens que lançam sombras, redes que trazem conforto quando ficamos presos nelas. Tiram-nos do sol escaldante, fico assim quando sou apanhado numa história. A ligação é forte do início até ao final, a libertação tem um sabor de reconhecimento por quem escreveu, me enleou, nas palavras gravadas nos lugares onde leio. As férias, as romarias, eventos, o Natal, a Páscoa, trazem pessoas, alegria, são acontecimentos onde se criam memórias novas nas aldeias. Até quando?